‘Entrevista’ de Marcola ao Globo, em 2006 – Raio ‘X’ do crime, por quem realmente é doutor no assunto!

Por recomendação do professor Lobão, titular da cadeira de direito penal, transcrevo abaixo a famigerada e polêmica ‘entrevista’ do mega-traficante Sr. Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, divulgada em 2006, onde desnuda, de uma forma desconcertante a realidade da criminalidade do Brasil…

Navegando pela internet, verifiquei também que alguns jornalistas e fontes da imprensa,  afirmam que, na verdade, esta se trata de um jogo de marketing do cronista Arnaldo Jabour, jornalista da Rede Globo,  que, aproveitando de toda repercussão vigente na época, em função da CPI do tráfico de armas, criou esta entrevista e a atribuiu ao Marcola.

O fato é que, sendo verdade ou não, o ‘Sr. Arnaldo Willians Herbas Jabour’, soube, como poucos, no mínimo, levantar uma grande discussão nacional, vigente até os dias de hoje! Mais ainda, neste exato momento, especificamente no estado de São Paulo, onde, até o momento, mais de 80 policiais foram sumariamente executados!

Logo abaixo da ‘entrevista’ consta um link, bem como um resumo, desta feita, de fontes confiáveis (e ‘oficiais’), da oitiva do Sr. Marcola, quando em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito afeta ao Tráfico de Armas.

Se formos fazer uma relação entre este depoimento e a alegada entrevista de Arnaldo Jabour, poderemos concluir que: ou o Jabour, assim como o Dr. Draúzio Varella, têm profundo conhecimento do sub-mundo dos presídios, ou o Sr. Marcola foi um dedicado estagiário/assessor do núcleo jornalístico da Rede Globo.

ENTREVISTA ATRIBUÍDA A MARCOLA:

Você é do PCC?

Marcola – Mais o que isso? Eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível… Vocês nunca me olharam durante décadas… E antigamente era mole resolver o problema da miséria… O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias. A solução é que nunca vinha… Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer” essas coisas… Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu só? Sou culto… Leio Dante na prisão…

Mas… a solução  seria… – Solução?

Marcola – Não há mais solução, cara… A própria idéia de “solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política,  crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de  ser sob a batuta quase que de uma tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou  você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…)  e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…) E  tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

Você não tem medo de morrer?

Marcola – Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora… Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba… Estamos no centro do Insolúvel, mesmo…  Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.   Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha…Vocês  nunca esperavam esses guerreiros do pó, né ?  Eu sou inteligente.  Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma  terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo se diplomando nas cadeias, como um  monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.  Vocês não ouvem as gravações feitas com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O que mudou nas periferias?

Marcola – Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no microondas”… ha, ha… Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de  três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de  palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos devocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Mas o que devemos fazer?

Marcola – Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas… O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”. Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… A gente já tem até foguete antitanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí… Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas… Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo… Já pensou? Ipanema radioativa?

Mas… não haveria  solução?

Marcola – Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a normalidade”. Não há mais  normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco… na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi che entrate!” Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.

TRECHOS DO DEPOIMENTO DE MARCOLA À CPI DO TRÁFICO DE ARMAS

Marcola: Eu acho que é o seguinte. Nós todos somos praticamente filhos da miséria, todos somos descendentes da violência, desde crianças somos habituados a conviver nela, na miséria, na violência. Isso aí, em qualquer favela o senhor vai ver um cadáver ali todo dia. Quer dizer, a violência é o natural do preso, isso é natural. Agora, essas organizações [refere-se a organizações como o PCC] vêm no sentido de refrear essa natureza violenta, porque o que ela faz? Ela proíbe ele [o preso] de tomar certas atitudes que pra ele seria natural, só que ele estaria invadindo o espaço de outro, o senhor entendeu? De outro preso. E elas vêm no sentido de coibir isso mesmo. É claro que se…

Paulo Pimenta – Certo, mas qual é a contrapartida que a organização exige dele? Ele paga para isso?

Marcola – Não, ninguém paga dentro da prisão pra nada, acabou isso. Houve uma época que parece que pagavam R$ 20, alguns presos que são ligados a uma determinada organização. Eram R$ 20 reais de caixinha, mensalmente, pra que pudessem ter advogados, assistência jurídica, muitas vezes… Só que isso foi abolido. Dentro do sistema penitenciário, ninguém dá um real pra ninguém. Agora, é claro que, por exemplo, pra impor essa política de respeito… Por exemplo, dentro do sistema penitenciário de São Paulo, é proibido o uso de crack, de uma droga chamada crack.

Paulo Pimenta – Isso foram os próprios presos que estabeleceram essa regra.

Marcola – Foi essa organização criminosa, que viu a degradação a que os presos estavam chegando e viu que estava totalmente sob… em falta de controle. Não tinha como controlar o crack dentro da prisão. Então foi simplesmente abolida, pro cara… Como se abole uma droga que faz o cara roubar a mãe, matar a mãe e tudo o mais? É difícil. Então, tem que mostrar a violência e falar: “Ó, cara, se você usar isso, pode te acontecer…”.

Marcola – O Brasil tem uma fronteira muito grande. É óbvio como é que entra arma.

Paulo Pimenta – Eu tenho uma opinião. Quero saber qual é a tua.

Marcola – Não é questão de opinião, é questão de o senhor pegar um delegado da Polícia Federal, pegar quem conhece a situação… Não tem que ter opinião, tem que ter a certeza. A certeza é esta: o Brasil tem fronteiras enormes e dificilmente eles vão conseguir policiar o tempo todo ela toda. Então isso vai dar margem pra entrada não só de armas, mas de tudo que se imaginar. É óbvio, muito simples também. Tem a Lei do Abate, que não permite mais vir por cima, então por onde é que vão vir as armas?

Paulo Pimenta – Terrestre.

Marcola – Não tem outro jeito.

Link para acesso ao depoimento na íntegra: DEPOIMENTO DE MARCOLA

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