Participei da primeira de 3 palestras referente ao tema: Estrangeiros no Brasil – Aspectos jurídicos contemporâneos. Segundo o profº Dr. Gustavo Ribeito (UniCEUB), que presidiu os trabalhos, este conjunto de encontros foi proposto, dentro de um programa maior, onde se discute o número crescente de pessoas que visitam o Brasil, bem como os impactos advindos em função dos grandes eventos que o nosso país irá sediar (Encontro mundial da juventude católica no Rio, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas…). Como o Brasil está posicionado no mundo com relação aos direitos dos turistas? Dos consumidores turistas? Legislação a ser aplicada? Infraestrutura e órgãos para receber este estrangeiro? Os direitos e deveres que os brasileiros possuem enquanto turista no exterior? E quanto aos imigrantes e refugiados?
Especificamente este primeiro encontro abordou as temáticas do conflito de leis no espaço (profª Carmen), bem como alguns dados e consequências do fluxo de turistas entre os países (profº Héctor Santana).
Professora Drª Carmem Tibúrcio
Inicialmente a profª Drª Carmem Tibúrcio fez uma interessante e profunda explanação sobre a questão do conflito das leis no espaço, com enfoque na temática das relações jurídicas envolvendo o turista, empresas transnacionais e o cidadão comum que interage com outros países.
A regra geral é que as leis são diferentes entre os países, pois estas provem de legislativos diferentes. A lei decorre de fatores locais (cultura, religião, valores morais e éticos, regime de governo e até do clima).
Em função desta gama de leis diferentes em cada Estado e ainda considerando a interação entre os povos (viagens a turismo, casamento com estrangeiros, sucessão de bens, ações…) surge a dúvida de que lei se deve utilizar no caso concreto.
O instrumento utilizado para dirimir esta controvérsia é a chamada ‘Regras de Conexão’, onde consta, para cada caso, que lei deve ser utilizada (e de que país). As regras de conexão são leis/normas indiretas, pois não regulam o fato em si, mas indicam qual ordenamento deve ser utilizado.
No Brasil a maior parte destas regras de conexão se encontram na LINDB (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Como exemplo de alguns destes dispositivos podemos citar os artigos 7º, 8º, 9º e 10, que tratam da questão do domicílio, validade do casamento, regime de bens, contratos, atos ilícitos e sucessão, respectivamente.
Apesar dos inúmeros projetos de lei apresentados no Congresso Nacional, visando a criação de uma lei específica para as ‘regras de conexão’, nenhum destes vieram a termo, tendo sido ‘engavetados’ no meio do caminho. Em função disso o Brasil utiliza, desde 1942 este instrumento jurídico para direcionar os conflitos entre os Estados (a única evolução deste diploma foi a alteração da nomenclatura de ICC – Introdução ao Código Civil, para LINDB).
Na verdade não há conflitos entre as leis, apesar das movimentações das pessoas, pois estas normas só possuem força mandamental no respectivo território. O termo ‘conflito de leis’ está errado. O que existe é uma norma indireta (regras de conexão) que direciona/determina qual lei e de que país, deve ser aplicada no caso concreto ou situação fática.
O DIP (Direito Internacional Privado), segundo a profª Carmem, está caminhando (tendência), neste campo, para mudanças em 5 pontos específicos, a saber:
1 – Abandono das regras de conexão rígidas e partindo para uma maior flexibilização destas
Tende a relativizar as regras de conexão. ‘propor law of the case’. ‘most significant relationship’.
2 – Aplicação da lei mais favorável a parte mais fraca da relação jurídica
No caso da relação consumerista, a OEA e HAIA, já recomenda a adoção de leis que beneficiam o consumidor.
Quanto as relações de trabalho a OIT também recomenda que se utilize as leis que são mais benéficas para o trabalhador. No Brasil o TST revogou a súmula 207 que tinha um direcionamento contrário a este postulado. Também foi promulgada a lei nº 7.064/82 que trata desta questão.
3 – Uniformização das regras de conexão
Há divergências com relação a esta tendência, entretanto, alguns órgãos como o Mercosul, CIDIPs, HAIA, Uncitral estão trabalhando para efetivar esta uniformização.
4 – Alargamento da regra de conexão ‘lex voluntatis’ (autonomia de vontade)
As partes podem escolher as leis que vão reger a relação jurídica. (tese iniciada com Charles Dumoulin, no séc. XVI).
No Brasil esta autonomia é muito questionada. A corrente majoritária não concorda com esta autonomia e se restringem as regras de conexão.
5 – Regras materiais uniformes
Trata-se da uniformização do próprio direito material, mas entende-se que é muito difícil, pois envolvem as questões domésticas e os aspectos culturais de cada Estado soberano.
Professor Drº Héctor Valverde
Trouxe alguns dados oficiais e discorreu sobre o quão atrasado está o Brasil com relação ao recebimento dos turistas.
Citou o caso recente de estupro de uma turista americana no Rio de Janeiro, que teve repercussão internacional e ainda o ‘jeitinho brasileiro’ quando do tratamento com os ‘gringos’, que afugenta e prejudica o crescimento deste mercado. (citou alguns exemplos: o preço do aluguel de guarda-sol nas praias do Rio, que para o nativo é 3 reais e para o ‘gringo’ é 7 reais. O absurdo do valor da diária nos hotéis do Rio e de Brasília. O cômodo e estranho aumento de 25% dos valores das tarifas de táxi de Brasília).
O governo brasileiro tenta ampliar o turismo, atraindo um número cada vez maior de estrangeiros, entretanto, não implementa estrutura e órgãos para receber estes visitantes, bem como para dar uma maior segurança jurídica. Fez um paralelo entre as instituições, leis e mecanismos existentes em outros países (muito menores que o Brasil) e a distância entre a nossa realidade.
Afirmou que a Europa e a América do Sul correspondem a mais de 80% do número de visitantes ao Brasil. A Argentina está no topo desta lista com uma afluxo de aproximadamente 1 milhão de turistas/ano, em segundo lugar está os Estados Unidos, com algo em torno de 600 mil/ano.
O Brasil recebe cerca de 5,4 milhões de turistas anualmente, impactando em um acréscimo no PIB em 1,4 bilhão de reais.
Ao comparar estes números com outros países, o Brasil, mais uma vez, fica em posição vergonhosa.
A França, por exemplo, recebe anualmente mais de 77 milhões de turistas/ano, os Estados Unidos algo em torno de 60 milhões/ano, a China 55 milhões/ano, Espanha 42 milhões/ano, Turquia 27 milhões/ano, México 22,4 milhões/ano, Malásia 24 milhões/ano…
A receita proveniente do turismo na França corresponde 5,4% do seu PIB, totalizando, somente com este nicho de mercado 36 bilhões de euros.
Por fim comentou que a chamada ILA – International Law Association, órgão do qual faz parte, irá apresentar na próxima semana, em Haia, a proposta de estudos para a proteção do consumidor turista, com base em 5 princípios:
1 – O turista é um ser vulnerável
2 – Proteção mais favorável ao consumidor
3 – Justiça contratual
4 – Crédito responsável
5 – Participação dos grupos e associações