O sistema que desrespeita direitos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade, é velho conhecido de um interno do Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia que prefere ser chamado pelo apelido Bubu. Na 12ª internação, o homem de fala eloquente e vocabulário acima da média calcula 17 anos e meio entre idas e vindas à unidade, além de três internações em hospitais psiquiátricos.
“Isso não significa que eu seja louco, de maneira nenhuma, porque eu tenho perfeita noção da realidade. Costumo dizer, baseando-me até em Danuza Leão, aquela colunista que escreve para vários jornais, que lucidez é reconhecer a sua própria realidade mesmo que isso lhe traga problemas. Sou lúcido porque eu tenho luz”, afirma. Sobre o motivo das internações, explica que exagerou na reação em determinados momentos da vida porque sentiu que corria riscos.
A extensa pasta onde estão laudos e demais documentações sobre as internações na instituição apontam danos, ameaça e tentativa de homicídio. As vítimas, em geral, são mãe e irmão. Quanto ao estado mental do baiano de 45 anos, natural de Oliveira dos Brejinhos, as perícias oficiais falam em transtorno afetivo que produz surtos psicóticos e características maniatiformes, distúrbios psiquiátricos dos quais Bubu faz ironia. “Eu sou um compêndio de loucuras”, desdenha.
Bubu exibe uma visão muito particular do sistema no qual está inserido. Ao citar autores clássicos como Fiódor Dostoiévski e Dante Alighieri, ele, que também escreve poemas, afirma que há uma demanda criminal no mundo da qual a psiquiatria resolveu tirar proveito. “No decorrer da história da humanidade, a violência tem sido premente, inequívoca. Então os psiquiatras disseram: ‘vamos criar os manicômios para administrar uma parte desse filão’”, diz.
Por outro lado, continua Bubu, o movimento antimanicomial também se equivoca ao tratar todos como “doidinhos que precisam de direitos pontuais”. “Eu represento uma terceira via que se coloca a favor de fechar os manicômios judiciários, mas não como um indulto completo às pessoas que cometem criminalidade, mas sim para fazer justiça àqueles que, sem participar da vida criminal, são obrigados a viver em um regime de perpetuidade por não ter dinheiro, não ter advogado, como eu, por exemplo.”
Há três anos e meio, segundo Bubu, não há visitas para ele, embora a mãe mande encomendas pelos Correios. Paulo Guimarães Barreto, diretor da unidade onde o interno é conhecido e querido pelos funcionários, aponta Bubu como mais um caso de distúrbio que poderia ser devidamente tratado do lado de fora. Mas, segundo ele, o indivíduo que não se reconhece doente tem mais chances de reincidir. “Porque ele não se trata. No caso de Bubu, o que acontece é que ele arruma confusão com os familiares e acaba voltando. A adesão ao tratamento é fundamental para o paciente que sair daqui.”
Créditos: Correio Braziliense – Renata Mariz