Em função dos comentários proferidos pela professora de Introdução ao Direito, ‘estrela’ Altair, quando da discussão, na aula extra de sábado – 24.09.11, de questões afetas ao direito natural, da interpretação da escola da Exegese, do reducionismo do direito verificado no código de Napoleão, da questão da autoridade e da ‘juízete’ dos magistrados, da falta de humildade e bom senso da população em geral (dos concurseiros, em especial, quando assumem um cargo sem terem tido ‘berço’); resolvi procurar na internet e publicar aqui o caso da decisão de um Juiz de Direito do estado de Tocantins que fugiu as formalidades e técnicas do judiciário e proferiu uma sentença, no mínimo, corajosa, onde mandou soltar dois lavradores por suposto roubo de duas melancias…
Art. 5o da Lei nº 4.657/42 (Lei de introdução às normas do direito brasileiro): Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
“Todo jurista, a princípio, deve ser um sociólogo” Professora Altair, em 24.09.11.
DECISÃO NA ÍNTEGRA
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se
Palmas – TO, 05 de setembro de 2003.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito
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Olá Marcos. Também sou acadêmico de Direito, só que bem distante de você; moro em Aurora-CE. O meu professor de IED também passou esse texto pra nossa turma em sala de aula, e deixou que a turma mesma tomasse suas opiniões. Embora eu não tenha visto as escolas da exegese, como conteúdo, deu pra ter uma noção crítica do caso.
Para mim esse juiz com essa sentença, é como se ele tivesse jogado todos os seus anos de estudo fora. Muitos discordaram de mim na aula, pelos mesmos motivos que o magistrado sugeriu na sentença, só que eu afirmo que o juiz nesse caso deveria ter agido conforme a legislação! Roubar é crime, certo? O motivo foi fútil, foi, mas não justifica a liberação dos acusados. No meu ver o juiz deveria sim , considera-los culpados e aplicar uma pena coincidente com o crime que praticaram.
Claro que eu não tenho fundamentos para justificar meu ponto de vista, curso ainda o 1º período.
Olá Wemerson!
Primeiramente grato por ter visitado o site e feito comentário… quanto ao caso concreto, cabe uma série de argumentos prós e contras, pois como bem disse a Ministra Elizabeth Teixeira, com a qual concordo plenamente, ‘no direito existem argumentos, leis, jurisprudências e doutrina para justificar qualquer coisa, tanto negativamente quanto o contrário’, entretanto, sou favorável sim a ação do bravo juiz de Tocantins, pois usou do bom senso, tão necessário aos nobres magistrados e operadores do direito… utilizando-se do método socrático perguntaria: Valeria a pena mover toda a estrutura do Estado para condenar estes dois lavradores? Estes dois cidadãos seriam recuperados e não reincidiriam? O nosso país está preparado para tratar casos como este? Como seriam tratados pela sociedade após deixarem a prisão? E os princípios da bagatela e da equidade? Enfim, meu caro, assim como eu, neófito das artes jurídicas, esta profissão que escolhemos deve ser encarada, penso eu, com parcimônia e zelo, sem radicalismos e verdades absolutas! Abraço!
ps.: Se não estudou as escolas Histórica e da Exegese em IED (que imagino ser Introdução ao Direito), sugiro que o faça por conta própria, pois é uma das bases da filosofia do direito.
Olá amigo, como você mesmo diz o Direito admite argumentos pró e contra sobre a maioria dos casos. Então, essa foi minha opinião e você deu a sua. Na sala o meu professor expressou muitos argumentos que você utilizou, e concordo com muitos. Mas o que defendi e acho que até me expressei errado aqui, foi o fato de os lavradores cometeram neste caso, um crime. Sei que não traria benefícios algum para os mesmos serem “jogados” no nosso sistema carcerário. O que defendi foi o princípio da proporcionalidade; já que o crime que eles cometerem foi de caráter desprezível, a sansão a que eles deveriam estar submetidos também deveria, pois veja o lado do agricultor que plantou e cultivou as frutas, o que ele ia pensar sobre essa decisão? Ficaria mais indignado ainda com o Poder Judiciário.
Bom sem querer polemizar, rsrsrs, essa é minha humilde opinião.
Abraços colega e que você consiga realizar o seu projeto de vida.
E parabéns pelo blog, gostei muito!
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Olá Marcos Paulo! Primeiramente, parabéns pelo blog! É bem interessante..
Eu li esse seu post sobre o caso das melancias e acho que você pode me ajudar, pois já teve aulas sobre isso. Eu estou no 1º semestre de Direito e, durante a minha aula de IED, a professora explicou sobre a Escola da Exegese e passou para os alunos um trabalho pedindo que explicássemos se este caso tem relação com os princípios da Escola.
Pelo que eu entendi, a Exegese propõe uma análise mais literal da lei, como se fosse uma versão positivista mais exagerada. E, nesse caso do furto das melancias, o Juiz fugiu aquilo que estava proposto na lei (que seria o que está previsto no Art. 155 do CP). Então, ele foi completamente contra o proposto pelos exegetas, não? Se pudesse me explicar, agradeceria.
Olá Isa, boa noite,
Obrigado pelos elogios ao meu blog…
Com relação ao caso das melancias em face da escola da exegese, você está correta… O caso em questão foge totalmente da lógica da escola francesa. Se este fato tivesse ocorrido na época de Napoleão, certamente estes lavradores seriam condenados e presos… Napoleão, ao criar o seu código, imaginou que todos os fatos da vida estariam previstos na sua legislação, ou seja, a subsunção seria certa… Daí a escola da exegese que deveria aplicar o código em todos os fatos concretos. Hoje sabemos que não existe nenhuma legislação que consegue prever todos os fatos da vida. O próprio código de Napoleão ao entrar em vigência, dez minutos após já se tornou obsoleto.
A nossa legislação, apesar que ter a intenção de prever todas as situações, dá uma margem para os magistrados e mais, os obriga a decidir sobre qualquer situação, mesmo aquelas não previstas em lei… vide os chamados ‘hards cases’…
Espero ter ajudado… Bons estudos!
Abs,
Marcos Paulo
Boa noite!
Muito obrigada! Ajudou muitíssimo!
Não estava conseguindo compreender bem, mas com a sua colocação a respeito de como seria o mesmo caso na época de Napoleão ficou claro.
Agora, quando estiver com alguma dúvida, virei perguntar aqui no seu blog rs
Boa conclusão de curso :)
Abs