Perfil – Sob a toga da humildade – Juiz substituto do TJDFT Gilberto Pereira de Oliveira – Outubro/2013

Mais um exemplo de juiz a ser seguido, pelo aspecto da sua humildade e ligação com as raízes… Já dizia Confúcio: a humildade é a única base sólida de todas as virtudes! Parabéns Dr. Gilberto Oliveira!

Juiz substituto de segundo grau do TJ conserva jeito simples. Nas audiências, faz piada e é duro na medida certa

A audiência estava marcada para as 14h de um dia qualquer de 2009. Na sala, cerca de 15 réus, homens e mulheres pegos alcoolizados ao volante, aguardavam constrangidos, inconformados ou envergonhados, a sessão de julgamento. Meia hora mais tarde, entra na sala o “homem da capa preta”. Surpreendentemente, não carrega a feição sisuda. Cumprimenta a todos com um “boa tarde!”, seguido de um pedido de desculpas e a explicação pelo atraso. “Eu tinha uns assuntos urgentes para despachar”, justifica o juiz substituto de segundo grau da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Gilberto Pereira de Oliveira.

Aos 65 anos, mais da metade deles dedicados à Justiça, doutor Gilberto não é unanimidade entre os colegas. O jeito simples — herança da origem humilde lá em Santo Antônio do Monte, distante 190 km de Belo Horizonte — e a fala franca não costumam agradar a uma parte da magistratura afeita à formalidade. São os “juízes de laboratório”, nas palavras dele. Gente que “nunca levou chute na bunda no meio da rua”. “Tenho colegas a quem preciso pedir desculpas e licença para me aproximar e conversar. Caso contrário, ofendem-se. Não é à toa que existe aquele ditado ‘promotor acha que é Deus, juiz tem certeza’”, diz, sorrindo, mas com o olhar de quem reprova tal conduta.

Quando criança, Gilberto de Oliveira estudou até a 4ª série primária. As dificuldades financeiras da família de 12 irmãos, filhos de uma dona de casa e de um ferroviário, o afastaram dos bancos da escola. Vendeu balas em circo, vela em procissão e até peruca. A leitura de pedaços de jornal usados para enrolar as compras mostrava-lhe um mundo além das montanhas de Minas. A curiosidade pelo que acontecia nos tribunais surgiu cedo. Virava e mexia, era expulso das salas de audiência. Aí, ouvia do corredor o que se dizia lá dentro e, nos intervalos, corria atrás dos advogados no cafezinho para aprender novas palavras.

Um dia, capinando o quintal, ouviu do pai o conselho para fazer o curso de pilotagem de trem. “Vou ser ferroviário, não. Vou ser doutor”. A resposta rendeu-lhe um tapa na orelha, o único que levou do pai. “Que doutor o quê? Cê lá sabe o que é doutor?”, esbravejou o pai. O menino continuou a desafiar o que lhe parecia estar posto. Na pequena Samonte — apelido para Santo Antônio do Monte —, havia duas ruas principais. Uma reta, onde os pobres passeavam nas horas de folga, e outra curva, para os ricos. Ele não caminhava na via dos endinheirados. Mas ficava lá, parado, vendo o ir e vir das moças. E assim conheceu a sua primeira mulher, Nadir, professora, filha de fazendeiro (que perdeu toda a fortuna), com quem se casou, teve três filhos e se separou 24 anos e seis meses mais tarde.

O sonho

O gosto pelas palavras o fez enveredar para o jornalismo. Nos idos de 1974, fundou o jornal Oeste de Minas, com oito colaboradores. Ninguém ganhava nada. A lembrança marcante é a entrevista com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, em Lagoa da Prata (MG), quando o fundador de Brasília voltou do exílio. “Perguntei se ele, naquela idade, se achava em condições de ser presidente da República. Ele me abraçou carinhosamente e respondeu: ‘Meu jovem, o problema não é a idade. O problema são outros problemas’. E eram mesmo”, relembra.

O juiz só conquistou o diploma de segundo grau ao fazer o Madureza, um curso de educação de jovens e adultos. Com 24 anos, passou no vestibular para direito em uma instituição particular, em Itaúna (MG). Sem dinheiro para a mensalidade, tentou uma vaga no curso de letras. “Assim, eu poderia dar aulas e ter salário para bancar o curso de direito”, conta Gilberto de Oliveira. As coisas pioraram. E o então estudante decidiu vir para Brasília, em 1976, com a mulher e os três filhos.

Para sustentar a família, trabalhou como vendedor de máquinas de escrever da Remington. Faltava dinheiro até para o almoço. A refeição do dia se resumia ao café com pão, de manhã, um copo de leite lá pelo meio-dia e uma banana por volta das três da tarde.

A luta pela sobrevivência era travada ao mesmo tempo em que tentava voltar a cursar direito. Venceu pelo cansaço o então diretor do curso do UniCEUB, Amaury Serralvo. “Na quinta vez, ele falou: ‘Você de novo? Vai lá, faz sua matrícula!’”. Para pagar a mensalidade, Gilberto se candidatou ao posto de secretário do Diretório Acadêmico. Com isso, ganhou bolsa de estudo. Para não sentir o cheiro de pastel da lanchonete da faculdade, ele dava a volta no prédio.

Se há uma coisa que entristece o juiz é ser chamado de “marajá”. “Quando escuto isso, eu digo: ‘Sou, sim. Mas tem vaga. Se você quiser sofrer o que eu sofri, tem vaga. Não se acha cargo de juiz no lixo. Não é político quem indica. E há concursos com 30 vagas e só um aprovado’”, diz, com a experiência de quem passou em duas seleções, uma para Rondônia, em 1982, e a outra para o Distrito Federal, em 1991. Com a toga, Gilberto de Oliveira atuou em varas criminais, no Tribunal de Júri e na Vara de Delitos de Trânsito de Brasília. No combate ao crime, recebeu ameaça de morte, teve revólver apontado para a cabeça e, mais de uma vez, foi obrigado a andar com segurança armado dia e noite.

Mutilação

Quando a vida começava a melhorar, o juiz enfrentou um drama familiar. O filho, Gilberto Júnior, morreu aos 25 anos, em um acidente ocorrido em Divinópolis (MG). Estava de bicicleta e bateu em um caminhão. Com um fio de voz, os olhos voltados para baixo e as mãos inquietas, o juiz desabafa: “Quando você perde a mulher, fica viúvo. Quando perde os pais, órfão, e, dizem, não há palavras para quando se perde um filho. Mas tem, sim. A palavra é mutilado. Você fica mutilado”, resume.

Quem convive com o magistrado acredita que a história de vida fez dele um ser humano mais sensível e justo. “Tudo pelo que passou, com certeza, influencia muito na hora de ele julgar e na forma como trata as pessoas nas audiências. Ele é engraçado e duro quando tem que ser duro”, revela a promotora Laura Beatriz Castelo Branco Alves Semeraro Rito, da 1ª Promotoria de Delitos de Trânsito.

Entre as paixões do juiz estão a pescaria, as trilhas, a poesia, os contos — ele já publicou alguns e está escrevendo um livro com enredo policial ao estilo Agatha Christie, sua autora favorita — e as miniaturas de carro. Segundo Laura Beatriz, o juiz usa os brinquedos para que réus e vítimas mostrem a dinâmica do acidente. “Ele conhece com profundidade o funcionamento dos veículos. Então, às vezes, a pessoa tenta enrolar e não consegue. Ele faz desenhos e pede para ela mostrar o que aconteceu”, ressalta a promotora.

Quem é

» Gilberto Pereira de Oliveira, 65 anos, juiz substituto de segundo grau da 1ª Turma Criminal do TJDFT e escritor.

» Nasceu em 2 de dezembro de 1947, em Santo Antônio do Monte (MG).

» É casado com Cristiane Messias e pai de Gilnara, 44 anos; Giverè, 33; Gilttom Az, 14, e Gilberto Júnior, falecido há 11 anos.

Fonte: Correio Braziliense, 20.10.13, por Adriana Bernardes

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2 respostas para Perfil – Sob a toga da humildade – Juiz substituto do TJDFT Gilberto Pereira de Oliveira – Outubro/2013

  1. ORENTINO EMERICK DUTRA disse:

    Por dois anos tive o privilégio de conviver com o Dr. Gilberto (1984 e 1985), oportunidade em era juiz na Comarca de Cerejeiras-RO. Eu era oficial de justiça e me lembro, sim, da competência do Dr. Gilberto, da maneira segura como presidia o tribunal de juri, e, também de sua agradabilidade. Já se passaram quase trinta anos e não me esqueço do douto juiz, que também nos preparou, juntamente com a filha Gilnara, para o concurso promovido pelo judiciário do Estado de Rondônia. Inclui-se nas boas lembranças, a participação de uma solenidade de formatura, onde eu, o Dr. Gilberto e o pároco da cidade ministramos aos formandos. Bons momentos que o tempo não pode apagar. Deus abençoe o Dr. Gilberto. Orentino

  2. DAVID PAXINI MACHADO disse:

    Trabalhei como policial militar em Ariquemes.Justamente na epoca em que o Dr Gilberto,erá o juiz e o Dr Antonio Salvador Jacomini erá o promotor.Tempos bons aqueles .Tenho boas lembranças.Parabens Dr Gilberto.O senhor merece o lugar onde está.

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