Muito lentamente, mas de forma vigorosa, a sociedade brasileira, através das suas instituições republicanas, principalmente por meio do judiciário, está ‘descortinando’ a discriminação velada que impede, sob os argumentos mais esdrúxulos e estapafúrdios, o acesso dos deficientes a todos os cargos elegíveis da administração pública, cumprindo assim, de forma efetiva, o art. 37, inciso VIII da Constituição Federal.
O entendimento recente do CNJ, abaixo, talvez possa mudar o ‘modus operandi’ do CESPE/UnB, que sendo o responsável pela condução dos concursos das Polícias Federal, Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal, e se calçando, de forma totalmente míope, em uma decisão da Min. Cármen Lúcia, está barrando, numa canetada, ainda na fase de perícia, todos os candidatos PNEs (Portadores de Necessidades Especiais) que se inscreveram nestes concursos, mesmos aqueles que foram aprovados, em igualdade de condições, em todas as fases anteriores.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou aos órgãos do Poder Judiciário que deixem de realizar exames prévios para saber se a deficiência física de candidatos em concursos públicos é ou não compatível com o exercício do cargo para o qual eles foram aprovados. A decisão foi tomada pela maioria dos conselheiros durante o julgamento de dois pedidos de providências, na 183ª Sessão Ordinária do órgão, realizada na tarde de terça-feira (25/2), em Brasília/DF. Prevaleceu o voto divergente, apresentado pelo conselheiro Rubens Curado. Na avaliação dele, a compatibilidade somente deve ser aferida no decorrer do estágio probatório, ou seja, após a posse do servidor selecionado.
A questão foi apreciada no julgamento dos Pedidos de Providência 0005325-97.2011.2.00.0000 e 0002785-76.2011.2.00.0000, movidos pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Mato Grosso do Sul e pelo Ministério Público Federal. Eles requeriam o afastamento da previsão de avaliação prévia da deficiência do candidato aprovado em concurso com as atribuições do cargo constante nos editais, assim como a uniformização de regras de concurso público para servidores do Judiciário, no sentido de que a compatibilidade da deficiência do candidato aprovado no certame fosse verificada exclusivamente durante o estágio probatório.
O conselheiro Emmanoel Campelo, relator dos procedimentos, votou pela improcedência por entender “não ser irregular nem ilegal o exame prévio de compatibilidade da deficiência declarada com o cargo ao qual concorre o candidato”.
Ao apresentar seu voto-vista, o conselheiro Curado esclareceu que não se discute a realização de perícia por comissão multidisciplinar para delimitar e determinar a existência e extensão da deficiência, até para o candidato ter a certeza se deve ou não concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência. “O cerne da discussão é outro e diz respeito ao momento em que deve ser procedida a averiguação da compatibilidade entre a deficiência do candidato aprovado e as atribuições a serem por ele exercidas no cargo”, explicou.
Na avaliação de Curado, garantir à pessoa com deficiência o direito à avaliação da compatibilidade entre as atribuições do cargo e a sua deficiência durante o estágio probatório é a “solução que mais se coaduna com a integração social desejada pela sociedade democrática”, a teor do que dispõe a Constituição Federal e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil e com força de emenda constitucional. Curado também lembrou que a regra encontra-se descrita no artigo 43 do Decreto n. 3.298, de 20/12/1999, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. O próprio CNJ também adotou a regra na Resolução n. 75/2009, que trata dos concursos públicos para ingresso na magistratura.
“São públicos e notórios casos de pessoas com deficiência detentoras de talentos excepcionais a superar eventuais limitações físicas. São igualmente públicos e notórios pareceres prévios apressados, e por vezes injustos, acerca da ‘compatibilidade’ de tais deficiências com as atividades do cargo”, afirmou o conselheiro, em seu voto.
Curado destacou não vislumbrar uma única hipótese em que a mais grave das deficiências possa ser considerada incompatível com as atividades de um cargo de servidor do Judiciário. “Ao que me parece, toda e qualquer dificuldade teórica de compatibilidade pode ser superada no curso do estágio probatório, a depender do talento, da operosidade, das habilidades e das atitudes do candidato”. E ressaltou: “parece-me pouco democrático, quiçá discriminatório, diante do contexto normativo mencionado e do aludido dever de integração social, ceifar um candidato com deficiência, já aprovado nas provas de conhecimento, do direito de demonstrar, na prática do dia a dia do estágio probatório, não apenas a compatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo, mas que detém talento, habilidades e atitudes suficientes para, eventualmente, suprir e superar a sua deficiência”.
Link: Decisão do CNJ a respeito deste assunto
Link: Diário Eletrônico da Justiça nº 42/2014, de 10/03/14, p. 3-7
Abaixo vídeos da 183ª Sessão Ordinária onde o assunto foi tratado:
Vídeo 01/02
Vídeo 02/02
Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias