Armadilhas da vida podem surpreender profissionais nas carreiras jurídicas – ConJur – 06.07.14

Excelente texto do des. Vladimir de Freitas… Desnuda os percalços, nem sempre positivos, de qualquer carreira, especialmente as da área jurídica. Reforça também a necessidade de termos um planejamento ‘macro’ das nossas vidas, dos nossos sonhos, do nosso futuro, mesmo sabendo que este está sujeito as vicissitudes da vida!

Por Vladimir Passos de Freitas¹

A vida pode e deve ser bem planejada. Uma certa dose de criatividade e improvisação são importantes, mas o planejamento é fundamental para o sucesso pessoal e profissional. Todavia, nem tudo pode ser posto dentro de um esquema de previsibilidade, há coisas que não dá para evitar. As armadilhas existenciais nos surpreendem e é preciso saber reagir com equilíbrio e inteligência. Vejamos alguns casos, todos reais.

Na Justiça Federal, antes da criação dos Tribunais Regionais Federais, os concursos de ingresso eram nacionais e a lista de antiguidade era apenas uma para todo o Brasil. Com a implantação dos cinco TRFs, em 30 de março de 1969, cada um passou a ter sua própria lista de antiguidade. Daí surgiram situações totalmente diferentes, sem que ninguém, a elas, tenha dado causa. Os que estavam na 4ª região ficaram no topo da lista, porque eram poucos. Fizeram carreira rápida, logo chegaram ao Tribunal, alguns foram presidentes. Na 3ª e na 4ª regiões, dois juízes aprovados em concursos posteriores ao desmembramento, regionais (Regina Helena Costa e Néfi Cordeiro) não só chegaram ao TRF como foram nomeados para o STJ, onde brilham. No entanto, na 1ª Região ainda há juízes de concurso nacional na primeira instância. Há cerca de 25 anos estão na mesma posição.

Quando tramitava Emenda Constitucional alterando os requisitos para a aposentadoria, muitos juízes e promotores entraram em pânico. Receio geral de grandes mudanças, de prejuízos em situações já consolidadas. Entre eles, um Promotor de Justiça de uma boa comarca, conhecido e respeitado. Amedrontado, aposentou-se correndo. Pouco tempo depois foi atingido pela reforma da qual fugiu. É que o Supremo Tribunal Federal, baseado no princípio da solidariedade, decidiu que os aposentados também deviam contribuir para a Previdência Social, mesmo que dela nada mais tivessem a receber. Novo ainda, pouco mais de 50 anos, o agente do Ministério Público viu-se no isolamento comum aos que se retiram do cargo, perda flagrante de status, e devendo pagar 11% do que recebe para a Previdência, o que antes não fazia porque se valia de abono por permanecer em atividade.

Juiz de carreira, ascendeu ao tribunal por merecimento. Sua vida foi dedicada à família e à magistratura. Nas férias usava parte do período para sentenciar processos complexos. Foi corregedor, arrumou alguns inimigos na ânsia de melhorar a Justiça. Um mês e meio antes de assumir a presidência do tribunal, ápice de uma carreira bem sucedida, um ataque cardíaco levou-o ao hospital. Saiu com vida, mas foi atingido por outros problemas, ficando impedido de retornar ao trabalho. Pouco depois, foi acometido pela doença de Parkinson. Adeus Poder Judiciário, adeus amizades, adeus presidência. Casa, família e tratamento, nada mais. Sem volta.

Disputando com entusiasmo uma vaga em um tribunal pelo quinto constitucional, recebeu feliz a notícia de que o chefe do Poder Executivo havia assinado o decreto de sua nomeação. Com discrição preparou a comemoração. Planejou o local, a lista de convidados, avisou a família. Não resistiu à tentação de convidar os assessores, pedindo reserva. Poucos dias depois seu sonho foi fulminado. Um telefonema comunicou-lhe que outra pessoa fora escolhida, sugerindo que aguardasse nova vaga. Soube depois que na imprensa oficial, por intervenção de político influente, o decreto havia sido recolhido e feito outro, com o nome do concorrente.

Ele era juiz de Direito e foi aprovado para juiz federal. Poucos dias antes da posse, aposentou-se no cargo estadual. Ao assumir, o federal começou a receber vencimentos do cargo e proventos da aposentadoria, passando a gozar de cômoda situação financeira. Isto não era raro nos anos 1990, havia casos semelhantes em vários TRFs. Mas, por outro lado, havia forte movimento contra esta cumulação, que afinal acabou sendo proibida por Emenda Constitucional. Um dia, recebeu ofício do presidente do TRF, que lhe dava três dias para optar entre uma e outra fonte de rendimento. Receoso, optou pelos vencimentos, abrindo mão da aposentadoria. Só que em todas as outras regiões nada aconteceu, os magistrados que se achavam em situação igual continuaram recebendo das duas fontes até atingirem os 70 anos, só daí perdendo uma delas. Ele foi o único atingido.

Jovem ainda entrou na Polícia Federal. Realizado, achava que teria realizados todos os seus sonhos de poder construir um país mais justo. Certo dia,recebe informações de que um determinado veículo traria grande quantidade de entorpecentes para comercializá-la em um posto de gasolina. Com colegas lá se postou, em campana. Esperaram. Ao chegar o suposto veículo, ordenaram ao motorista que parasse, mas ele saiu em fuga. Foram em perseguição, dispararam. O motorista, atingido, parou. Constatou então, o policial, que havia sido um engano, não se tratava de um traficante, mas sim de um jovem amedrontado que supunha estar sendo assaltado. Ficou paraplégico. E o jovem policial passou a responder ação penal, com prisão preventiva decretada. Sem falar na dor de consciência a atormentá-lo por toda sua vida.

Às vezes, a armadilha é só aparente. O insucesso é a via para um sucesso maior posterior. Quando a então desembargadora federal Ellen Gracie Northfleet, do TRF da 4ª Região, não foi a escolhida em lista tríplice para nomeação para o Superior Tribunal de Justiça, perdendo a vaga para a ministra Eliana Calmon, tudo indicava que sua carreira estava encerrada. Pouco tempo depois, contudo, foi indicada para assumir uma vaga no STF, onde não foi apenas a primeira mulher a ocupar o relevante cargo, mas também a primeira presidente. O destino reservara-lhe algo maior e o primeiro insucesso foi o caminho para o sucesso máximo vindo posteriormente.

Estas e outras situações mostram que a vida não é um teorema com fim certo. O profissional do Direito — em especial os jovens — precisa saber disto. E, se surpreendido por armadilhas existenciais, não entregar-se a lamentações ou sair à busca de culpados, mas sim afastar o ódio, desejos de vingança ou ficar a contar sua desdita a todos que se aproximam. Página virada, o melhor a fazer é traçar uma nova meta e seguir em frente. Assim é a vida.

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¹ Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da “International Association for Courts Administration – IACA”, com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

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Uma resposta para Armadilhas da vida podem surpreender profissionais nas carreiras jurídicas – ConJur – 06.07.14

  1. Tiago Lyra disse:

    Perfeito. Que isso!! Que texto!! Obrigado por compartilhar.

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