O baixo nível de candidatos aprovados nos concursos recentes para magistratura compromete celeridade da Justiça, afirma o CNJ
Correio Web – 16/09/2014 – por Lorena Pacheco
Das 92 vagas abertas para juízes no concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no máximo sete devem ser preenchidas. A seleção pública, lançada no ano passado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), ainda está em andamento com apenas sete candidatos, que disputam um dos mais altos salários do funcionalismo público: R$22.854,46. Desde a primeira fase do certame, a prova objetiva, e passando por mais duas etapas, foram eliminados 4.355 inscritos, o que causou uma diminuição de 99,8% na concorrência. Agora, é como se 13 vagas estivessem à disposição de cada candidato que segue classificado.
A escassez de aprovados para a carreira de magistratura se repete em seleções como do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) e do Amazonas (TJAM), assim como do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (que compreende os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). No último concurso para juiz do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, ninguém se classificou. Os mais de 2,6 mil inscritos, que disputavam sete vagas, foram eliminados antes mesmo do fim do certame.
Para o coordenador das turmas jurídicas do IMP Concursos, Thiago Pugsley, esse é um fenômeno que ocorre devido à forma que a banca organizadora cobra as disciplinas, abordando um conteúdo abstrato de forma densa. “Já é costume que concursos para magistratura tenham menos aprovados do que o quantitativo de vagas, é um histórico recorrente que colabora para que o concurso se torne um mito. Já vi candidatos muito bem preparados passarem para cargos de nível mais difícil, como de procurador da República, porém não são aprovados para juiz. É por conta da reprovação em massa que praticamente todo ano tem concurso para magistratura”.
As inúmeras fases e, principalmente, a demora na divulgação dos resultados estão entre os fatores que agravam o quadro, acredita Pugsley. “Os concursos costumam durar mais de um ano para serem concluídos e a demora no lançamento das notas não é justificada”.
Fabrício Carata, juiz da 8ª Vara Cível do TJDFT, concorda que é próprio do concurso para magistratura o não preenchimento de vagas. Ele foi aprovado em 2012, após cinco tentativas, na 13ª posição de um total de 89 vagas. Junto com ele, apenas outros 29 candidatos conseguiram aprovação. Outras 59 vagas não foram preenchidas.
“Não é que o concurso queira parecer o mais difícil de todos, mas magistratura é vocação. É obvio que um juiz tem que ter uma visão geral sobre todos os ramos do direito. No DF, por exemplo, a cada mês o magistrado pode estar numa vara diferente, o que exige um bom preparo dos candidatos”, defende. “Certamente, durante a atual seleção do TJDFT, outras vagas, além das oferecidas no edital, foram abertas devido ao falecimento, aposentadoria e ao êxodo de juízes para outras carreiras”.
O próprio Cespe/UnB, banca de quatro certames acima citados, admite que as provas para juízes possuem elevado grau de complexidade. Por meio de assessoria, a organizadora alega que apenas cumpre o estabelecido pela Resolução nº 75 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que rege todas as etapas, o conteúdo programático e os critérios de eliminação.
Apesar disso, segundo o conselheiro Guilherme Calmon, o CNJ já realizou um levantamento e tem consciência que são poucos os concursos para juízes em que todas as vagas são preenchidas, mas alerta que isso prejudica a celeridade da Justiça brasileira. “O concurso da magistratura precisa ser, de fato, mais rigoroso devido à natureza de decisão do cargo. Mas, entendemos que ainda há problema na base de formação precária dos candidatos, apesar de muitos já serem advogados e servidores. Por outro lado, o que é cobrado pelas bancas é muito distante da prática de um juiz em alguns casos. Existe essa preocupação, mas as organizadoras não integram a magistratura e não têm exata noção da necessidade da carreira. O perfil dos candidatos aprovados nem sempre é o que precisamos.”
Há seis meses foi apresentada uma proposta de alteração à Resolução 75, para criação de um concurso nacional de magistratura, que seria organizado por uma escola nacional e não por empresas terceirizadas. A proposta ainda aguarda posicionamento do CNJ. “Realmente tem que haver uma seleção rigorosa, mas por um modelo continuado. Não podemos deixar cargos vagos. Se um tribunal abre concurso e logo percebe que nem todas as chances serão ocupadas, deve-se abrir nova seleção o quanto antes”, defende Calmon.
Garanta sua vaga
A missão de vencer as 10 etapas e conseguir a tão sonhada vaga não é para qualquer concurseiro. Além de ser formado em direito e ter experiência de três anos em atividades jurídicas, os candidatos precisam ter perfil. “Hoje, apesar de alto, não é o salário que atrai os candidatos para essa carreira, mas o status do cargo, e, principalmente, a paixão por decidir e fazer justiça”, analisa Pugsley.
José Ermínio Neto sabe bem o que quer. Aluno do terceiro semestre do curso de direito na Universidade Católica de Brasília, ele já traça o caminho para vestir a toga algum dia. “O direito em si já é uma área muito formada para concurso, os próprios professores e colegas nos incentivam a ser servidor. Vai ser um processo longo, o objetivo ainda é muito distante da minha realidade de estudante”, acredita. José tem certa experiência com concursos e já fez prova para o TJDFT, no cargo de técnico judiciário. Ele foi aprovado, mas não dentro do número de vagas oferecidas. “Exige-se muito dos candidatos, mas decidir sobre a vida alheia é complicado. Considero o concurso longo e desgastante, mas também plausível com o trabalho de um juiz.”Para conseguir a vaga, o juiz Fabrício Carata conta que conciliou os estudos com o trabalho como assessor no Superior Tribunal de Justiça, e que dormia apenas cinco horas por dia. “Não tem como vencer o edital, é humanamente impossível. Eu estudava todos os dias, de cinco a seis horas, e mesmo assim achava que não estava preparado. Mas todo o esforço valeu a pena, estou muito satisfeito e não me imagino em outra carreira. A meu ver, a magistratura não tem nenhum ponto negativo”.