Nesta aula (última com conteúdo novo, antes da prova) o professor concluiu a matéria iniciada na aula anterior, que tratava da desconsideração da personalidade jurídica, abordando: o 4º pressuposto (teorias), a desconsideração segundo o direito positivo, aplicação e a inversão.
A próxima aula (08.04.2013 – segunda-feira) será dedicada exclusivamente a resolução do questionário já disponibilizado, bem como uma revisão geral.
I – Desconsideração
Além dos 3 pressupostos discutidos na aula anterior, é necessário a evidência do 4º e mais importante deles, para que seja possível a decretação da desconsideração da personalidade jurídica de um empresário.
Este pressuposto, na verdade, são três teorias que dependendo do ramo do direito e do caso concreto em questão se aplica uma das três.
Teorias
São 3 as teorias existentes:
TEORIA MENOR: Considera o 4º elemento como sendo o inadimplemento da pessoa jurídica. (ajuda muito os credores). Tem uso atualmente, mas sob o ponto de vista teórico não foi aceita.
TEORIA MAIOR OBJETIVA: Se caracteriza pela confusão patrimonial (trazida por Comparato). Mistura de patrimônios entre a Pessoa Jurídica e os sócios (pessoas físicas).
TEORIA MAIOR SUBJETIVA: Se caracteriza pela fraude ou pelo abuso dos direitos.
Fraude: Inclui qualquer tipo de fraude, sentido amplo. Trata-se de uma distorção intencional da verdade. Exemplo: Caso ENCOL, onde foi identificado um pagamento milionário de honorários advocatícios, que na verdade não tinha lastro. É muito difícil de provar.
Abuso de poder: É um mal uso de um direito. Conforme art. 187 do Código Civil.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Se há várias opções, não se pode escolher a pior delas.
Exemplos:
Sub-capitalização: fazer retirada de recursos da sociedade de forma a impedir a sua continuidade.
Dissolução irregular: O que é dissolução irregular? Há uma divergência não resolvida. São duas linhas.
1ª Linha – Parar de funcionar sem obedecer ao procedimento legal (baixa na junta comercial ou pedir a auto-falência) e sem pagar os credores. Este é o entendimento da 6ª Turma do TJDFT.
2ª Linha – Considera que a dissolução irregular só acontece se os atos praticados pela sociedade impedirem a sua continuidade. (entendimento da 5ª Turma do TJDFT).
Esta questão chegou no STJ, mas como este Tribunal não reexamina questões de prova (Súmula 7 do STJ), não se chegou a um consenso. Entretanto, o STJ acolheu o entendimento da 5ª Turma do TJDFT, conforme AGRG RESP 762555.
Título: AgRg no REsp 762555 / SC Data: 16/10/2012 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ENCERRAMENTO DE ATIVIDADES SEM BAIXA NA JUNTA COMERCIAL. REQUISITOS AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC NÃO CONFIGURADA. SÚMULA 83/STJ. 1. Não configura violação ao art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial. 2. A mera circunstância de a empresa devedora ter encerrado suas atividades sem baixa na Junta Comercial, se não evidenciado dano decorrente de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da sociedade empresarial, não autoriza a desconsideração de sua personalidade para atingir bens pessoais de herdeiro de sócio falecido. Inaplicabilidade da Súmula 435/STJ, que trata de redirecionamento de execução fiscal ao sócio-gerente de empresa irregularmente dissolvida, à luz de preceitos do Código Tributário Nacional. 3. Hipótese em que ao tempo do encerramento informal das atividades da empresa executada sequer havia sido ajuizada a ação ordinária, no curso da qual foi proferida, à revelia, a sentença exequenda, anos após o óbito do sócio-gerente e a homologação da sentença de partilha no inventário. 4. Encontrando-se o acórdão impugnado no recurso especial em consonância com o entendimento deste Tribunal, incide o enunciado da Súmula 83/STJ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão: Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão (Presidente) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. –Direito Positivo
CDC – Lei nº 8.078/90
Foi a primeira lei a tratar da desconsideração. Aborda o tema no caput do artigo 28 e no parágrafo 5º.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1 (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. –O caput deste artigo aborda 6 hipóteses de desconsideração:
1 – Abuso de direito;
2 – Excesso de poder;
3 – Infração da lei;
4 – Fato ou ato ilícito;
5 – Violação dos estatutos ou contrato social;
6 – Má administração.
Somente a primeira hipótese (abuso de poder) que, de fato, pode ser considerado como caso de desconsideração e adota a teoria maior subjetiva.
As demais hipóteses, na verdade, trata-se de responsabilidade direta (que possui o mesmo efeito prático da desconsideração).
Já com relação ao parágrafo 5º deste artigo, há 4 opiniões diferentes:
1ª – Defendida por Zelmo. Não vale no Brasil. Prega que a intenção era vetar o § 5º e, por engano, vetou o §1º.
2ª – Defendida por Ulhôa. Sanções pecuniárias.
3ª – Defendida por Jorge Lôbo e Brusque. Abriu as hipótese do caput sem fugir da teoria maior subjetiva.
4ª – Trata-se da opinião majoritária e ratificada pelo STJ em 2003, que considerou este parágrafo na linha da TEORIA MENOR (basta provar o inadimplemento da pessoa jurídica). O leeding case que acolheu esta tese foi aquele tratado no RESP 279.273 SP (Shopping de Osasco). Posteriormente, através do RESP 737.000 MG, este entendimento foi consolidado. OU SEJA, O PARÁGRAFO 5º DO ARTIGO 28 DO CDC ADOTA A TEORIA MENOR. Só é válido para as relações de consumo.
Lei nº 12.529/2011 – Defesa da Concorrência
Repete, em seu art. 34, o caput do art. 28 do CDC e, portanto, adota a TEORIA MENOR.
Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Vale para as infrações a ordens econômicas (cartel, aumento arbitrário de preços, preço predatório… e demais assuntos tratados pelo CADE).
Lei nº 9.605/1998 – Atividades lesivas ao meio ambiente
Copiou, em seu artigo 4º, o §5º do art. 28 do CDC, portanto, adota a TEORIA MENOR.
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Aplica-se a infrações ambientais. (já há casos concretos de aplicação deste dispositivo).
Lei nº 9.847/1999 – Abastecimento de combustíveis
Copiou, em seu art. 18 §3º, o §5º do art. 28 do art. 28 do CDC, portanto, adota a TEORIA MENOR.
Art. 18, §3º – Poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade sempre que esta constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao abastecimento nacional de combustíveis ou ao Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis.
Aplica-se aos sistemas de distribuição de combustíveis. (Nunca foi usado, em uma situação fática).
Código Civil 2002 – Lei nº 10.406/2002
O código civil adotou, em seu art. 50, as duas teorias maiores, sendo a MAIOR OBJETIVA para a confusão patrimonial e a MAIOR SUBJETIVA para o desvio de finalidade (equivale ao abuso de direitos).
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Aplica-se sempre que não houver regra especial.
Em termos legislativos estas são as 5 leis que abordam a desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, nos ramos do direito do trabalho, tributário e administrativo não há leis específicas que tratam da desconsideração.
Direito do Trabalho
Usa a TEORIA MENOR. Considera o princípio da proteção ao empregado. Há abusos.
Direito Tributário e Direito Administrativo
Há o princípio da legalidade e por isso existe uma discussão se pode ou não efetivar a desconsideração. Nestes dois ramos deve-se adotar o que consta no art. 50 do Código Civil.
Aplicação
Como, na prática, é aplicado esta desconsideração? Há dois aspectos desta aplicação.
1º – Processualmente
Segundo entendimento do STJ (RESP 228.357 SP), e amplamente majoritária, não há a necessidade de uma ação específica de conhecimento, a desconsideração pode ser deferida na fase de execução.
Ulhôa e Ada Pellegrini Grinover entendem que é necessário uma ação específica de conhecimento.
2º – Quem é atingido?
‘A positivação da desconsideração não responde tal indagação, pois os textos legais não indicam os responsáveis e nem poderiam fazê-lo, pois acabaria ficando gessada a identificação dos responsáveis. Assim, a análise deve ser feita em cada caso, para saber a quem a desconsideração se estende. Apesar disso, há alguns parâmetros dados pela doutrina.’
Segundo Calixto Salomão Filho e Tereza Cristina, possuem dois entendimentos:
Quando aplicado a Teoria Menor: Devem ser atingidas quem tinha poderes de gestão. Dado que este teoria (menor) não se caracteriza por abuso ou fraude, mas sim pelo inadimplemento ou insolvência da empresa. (RESP 786.345 SP).
Quando aplicado a Teoria Maior: Devem ser atingidas quem tenha participado ou se beneficiado pelos atos abusivos ou fraudulentos determinantes na desconsideração (má fé). Dado que esta teoria (maior) sempre tem abuso, fraude ou confusão patrimonial.
Inversa
É amplamente aceita. (desconsideração inversa).
Responsabiliza a pessoa jurídica por uma dívida do sócio. (RESP 948.117 MS).
Frases proferidas: ‘Esta é a última aula de conteúdo antes da prova’, ‘Não há critérios objetivos para verificar se uma empresa poderia ou não continuar funcionando’, ‘Antes da previsão legal (surgimento das leis) a desconsideração utilizava os princípios gerais do direito, com base nas 3 teorias existentes’, ‘Não se deve utilizar, para fins de desconsideração, a Súmula 435 do STJ, por se tratar de questões fiscais’, ‘Acho que nem a ANP tem conhecimento do §3º do art. 18 da lei nº 9.847/99’.
Aula complexa. Começando a leitura…
Achei relevante a observação do colega sobre as conseqüências da larga aplicação da teoria mínima ( e as criticas do Professor a esta aplicacao), vai justamente de encontro ao principio da separação dos patrimônios e, em ultima analise, da livre iniciativa.
“a existência da pessoa jurídica se justifica pela segurança fornecida pela separação patrimonial entre o capital da empresa e o patrimônio das pessoas que a constituem, segurança esta que fomenta investimentos em atividades empresariais; contudo essa situação privilegiada, com finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico, não pode ser usada para possibilitar abusos, tal qual se verifica quando a pessoa jurídica não é utilizada para a atividade às quais se destina, mas para outras finalidades; ou se seu patrimônio estiver em situação fática, confundindo-se, misturando-se, com o patrimônio particular das pessoas que a constituem” Pablo Stolze -Wikipedia.
É verdade Dra. Ana, esta matéria possui uma gama muito grande de detalhes e teorias, o que a torna, em tese, muito complexa… mas, por incrível que pareça, estou achando esta cadeira a mais fácil e prazerosa deste semestre… o meu ‘amor’ pelo direito penal está diminuindo a cada aula de direito empresarial/societário.
Realmente as intervenções dos colegas, quando possuem o intuito único e exclusivo de contribuir com o andamento da matéria é salutar, ao contrário, daqueles que parecem estar fazendo lobby para constarem em alguma lista ‘tríplice’ de um tribunal superior.
Quanto ao mérito da aplicação indiscriminada da teoria mínima, apesar de estar longe de ser um conhecedor do assunto, creio que, por estas sociedades serem infinitamente ‘mais fortes’ do que os consumidores, por exemplo, devem sim se submeterem a uma forma mais ‘fácil’ de ‘intervenção’, sob pena de se utilizarem de argumentos do tipo ‘proteção, livre iniciativa, fuga de capitais, insegurança jurídica…’ para fugirem de suas responsabilidades e prejudicarem terceiros, amparadas pela legislação e toda a proteção estatal que possuem.
Entendo que os empresários de boa-fé e aqueles que realmente administram os seus negócios com ética não se preocupam com estas três teorias de desconsideração (ou de quão fácil as suas atividades estão sujeitas a uma intervenção).
Interessante e questionado pelo professor:
“Em nosso ordenamento jurídico, como visto, não havia preceito legal que embasasse essa desconsideração da pessoa jurídica, o que levava a que eventuais decisões nesse sentido recorressem à doutrina como fonte do Direito”.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/595/desconsideracao-da-pessoa-juridica#ixzz2PSVag67F
Excelente artigo, obrigado pela dica!