Aula 19 – Direito Penal – Parte Especial II – 07.10.13

Nesta aula a professora iniciou, de fato, a abordagem dos chamados Crimes Contra a Administração Pública ou Crimes Funcionais, tratando, neste encontro daqueles tipificados do artigo 312 ao 316 do Código Penal, conforme abaixo:

Dos crimes contra a administração pública

Para os crimes desse título, o sujeito passivo já está predeterminado, ele é o Estado.

O objeto jurídico será sempre a administração pública, levando-se em conta seu interesse patrimonial e moral.

Pelo artigo 92, como efeito da sentença que condenar o funcionário público, teremos a perda automática do cargo ou função pública deste quando:

o Pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

o Pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Aquele condenado por qualquer dos crimes desse capítulo terá sua progressão de regime condicionado à reparação do dano por força do art. 33, §4º; entretanto, esse artigo não tem muita aplicação na prática.

No caso dos delitos funcionais, quando afiançáveis, cabe defesa preliminar (pena mínima não ultrapasse 2 anos). Pelo art. 514 do CPP, estando a denúncia em termos, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 dias.

Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral

Funcionário público

O artigo 327 trata-se de norma explicativa válida para todo o capítulo a ser tratado.

É importante ressaltar que nos crimes a seguir o agente ativo será sempre o funcionário público, mas o crime pode ser cometido por particular se este particular pratica o crime junto com o funcionário público. Essa interpretação jurisprudencial e doutrinária é dada em função do art. 30 do CP que aduz que os as circunstâncias pessoais do agente se comunicam apenas se forem elementares do crime, o que é o caso dos crimes seguintes. Logo, trata-se de crime próprio.

Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Considera-se funcionário público, apenas para efeitos penais, quem exerça qualquer cargo, emprego ou função pública, mesmo que de forma transitória e sem remuneração, ou então aqueles que exerçam cargo, emprego ou função em paraestatal, conveniada pelo poder público para que exerça sua atividade fim.

O terceirizado que trabalha em qualquer das entidades enunciadas apenas será considerado funcionário público para fins penais se exercer a atividade fim daquela entidade.

A doutrina ainda diferencia o crime funcional em próprio e impróprio. O primeiro é aquele em que ao se retirar a qualidade de funcionário público do agente o fato se torna atípico, como é o caso da condescendência criminosa. Já o segundo é aquele me que ao se retirar a qualidade de funcionário público do agente o fato continua sendo crime, mas por outro tipo penal, como no caso do peculato.

Em algumas provas de concurso ou na OAB a banca comumente troca as expressões “funcionário público” e “particular” pelas “intraneous” e “extraneous”, respectivamente.

Aumento de pena

Art. 327, § 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

À todos os crimes previstos nesse capítulo em que o sujeito ativo é o funcionário público, a pena é aumentada se este possuir algum cargo em comissão ou função de direção ou assessoramento da administração direta, Sociedade de Economia Mista, Empresa Pública ou Fundação Pública.

Peculato

Inicialmente, ressaltemos que existem 6 tipos de peculatos, são eles:

Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

Quanto ao Peculato Apropriação, a ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “apropriar” de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel do qual tenha posse em função do cargo. Este é o peculato apropriação. A diferença desse tipo de peculato para a apropriação indébita é justamente o sujeito passivo.

Quanto ao Peculato Desvio, a ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “desviar” em proveito próprio ou alheio de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel do qual tenha posse em função do cargo; nesse caso, dá-se uma destinação diferente (Ex: uso do cartão corporativo).

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com o efetivo prejuízo material para o Estado.

Trata-se de crime material. Admite tentativa.

Peculato furto

Art. 312, § 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “subtrair”, a mesma do furto, ou concorre para que seja subtraído.

Peculato culposo

Art. 312, § 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Trata-se da participação culposa em ação dolosa alheia. O funcionário público tem o dever de agir, impedindo o resultado de ação delituosa de outrem.

Esta modalidade é sempre plurissubjetiva, isto é, necessita da concorrência de pelo menos duas pessoas: o funcionário (garante) e terceiro que cometa o crime para o qual o primeiro concorre culposamente.

Art. 312, § 3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Caso a reparação se der:

o Antes da Sentença: extingue a punibilidade;

o Depois da Sentença: reduz a pena pela metade.

Peculato mediante erro de outrem

Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “apropriar-se” de dinheiro ou qualquer utilidade/vantagem que recebeu por outrem, mediante erro, em função do cargo que ocupa.

Erro significa a falsa percepção da realidade. Torna-se necessário que a vítima, por equivocar-se quanto à pessoa do funcionário público encarregado de receber o dinheiro ou a utilidade, termine entregando o valor a quem não está autorizado a receber. Este, por sua vez, interessado em apropriar-se do bem, nada comunica à pessoa prejudicada, nem tampouco à administração.

Se o funcionário público que induz em erro, responde por estelionato.

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com o efetivo prejuízo material para o Estado.

Trata-se de crime material. Admite tentativa.

Inserção de dados falsos em sistema de informações

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “inserir” ou “facilitar” a inserção de dados falsos, ou “alterar” ou “excluir” indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou banco de dados da administração com o fim de obter vantagem indevida ou para causar dano.

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com a realização das ações típicas, independente do resultado naturalístico.

Trata-se de crime formal. Admite tentativa.

Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “modificar” ou “alterar” sistema de informação ou software sem autorização ou solicitação de autoridade competente

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com a realização das ações típicas, independente do resultado naturalístico.

Trata-se de crime formal. Admite tentativa.

Aumento de pena

Art. 313-B, Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Aumenta-se a pena quando do exaurimento do crime, isto é, o efetivo prejuízo ao Estado ou ao administrado.

Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento

Art. 314 – Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “extraviar”, “inutilizar” ou “sonegar”, total ou parcialmente, qualquer documento que deva guardar em função do cargo.

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com a realização do extravio, independente do resultado naturalístico.

Trata-se de crime formal. Admite tentativa.

Emprego irregular de verbas ou rendas públicas

Art. 315 – Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei:

Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “dar” ao dinheiro público aplicação diversa da estabelecida em lei. A destinação de certa dotação orçamentária vem disposta na Lei Orçamentária Anual (LOA). Essa aplicação deve ser de fim público, o que diferencia o crime tratado do peculato desvio.

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com a efetiva entrega da renda ou verba diferente do disposto na LOA.

Trata-se de crime material. Admite tentativa.

Concussão

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

O objeto jurídico é a administração pública.

A ação nuclear descrita no tipo consubstancia-se em “exigir” vantagem indevida, seja direta ou indiretamente, mesmo que ainda fora da função ou antes de assumi-la, mas desde que seja em razão dela.

O sujeito ativo é o funcionário público, uma vez que trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é o Estado.

Ressalta-se aqui que a vítima que paga a vantagem é, pelo entendimento jurisprudencial, mera vítima, uma vez que sua vontade não é livre.

A depender da ameaça que o agente utiliza passa a se configurar extorsão.

O elemento subjetivo é o dolo.

O momento de consumação se dá com a realização das ações típicas, independente do resultado naturalístico.

Trata-se de crime formal. Admite tentativa.

Excesso de exação e outra (qualificadora)

Art. 316, § 1º – Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Exação é a cobrança pontual de impostos. Logo, esse tipo penal visa punir o abuso de direito.

A qualificadora retrata a situação do funcionário que exige tributo que sabe (dolo) ou que deveria saber (dolo eventual) indevido, ou, quando devido, emprega meio vexatório ou gravoso (oneroso) na cobrança que a lei não autoriza.

Art. 316, § 2º – Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Se o funcionário desvia aquilo que recebeu indevidamente  para recolher aos cofres públicos, seja em proveito próprio ou alheio.

Frases proferidas: ‘Se não se valer da condição de funcionário público não responde por peculato’, ‘Não existe peculato de bem imóvel ou de serviços’, ‘O peculato com bem particular recebe o nome de malversação’, ‘Não se aplica a redução ou extinção da pena quando for peculato doloso’, ‘Só existem dois crimes neste título que podem ser culposos, o peculato (art. 312) e a facilitação de fuga de pessoa presa (art. 351)’.

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