Por Rodrigo da Cunha Lima Freire*
Temos um novo Código de Processo Civil. Precisávamos dele? Penso que sim. O CPC de 1973 completou quarenta anos e durante esse período tivemos profundas transformações, inclusive legislativas. Basta lembrar que o Brasil passou a ter uma nova Constituição, um Código de Defesa do Consumidor e um novo Código Civil. Acrescente-se que o número de demandas no Brasil ultrapassa 95 milhões, muitas delas em massa sobre direitos do consumidor.
O novo CPC avançou em muitos aspectos.
Foi criado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, permitindo que todos processos sobre uma mesma matéria numa mesma região fiquem suspensos por até um ano, para que o tribunal decida a questão jurídica, aplicando-se o resultado aos processos suspensos e aos processos futuros.
Foi também criado o Incidente de Coletivização das Demandas, possibilitando a conversão da demanda individual em demanda coletiva, para que todas as pessoas em igual situação se beneficiem da decisão proferida.
Criou-se, ademais, um modelo, ainda que tímido, de precedentes, obrigando os juízes e os tribunais a seguirem as súmulas e as decisões proferidas pelos tribunais em matérias repetitivas (decisões em incidente de demandas repetitivas, recursos repetitivos ou assunção de competência, por exemplo).
Com o novo CPC, passará a ser uma obrigação dos tribunais manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente. Havendo modificação fundamentada de orientação, poderá o tribunal modular os efeitos da decisão e atribuir-lhe eficácia prospectiva, em nome da segurança jurídica e da proteção da confiança.
Vivenciamos, aliás, a era dos princípios e das cláusulas gerais. O novo Código ressaltou diversos princípios, como a boa-fé e o contraditório e, como decorrência destes, a cooperação entre os sujeitos do processo, de modo a não permitir o protagonismo do juiz ou das partes. Espero que a interpretação dada à cooperação não seja corrompida pela ideologia, pois esta, como dizia Russell Kirk, é “a política da irracionalidade apaixonada.”
Por outro lado, o novo CPC, acertadamente, exigiu do juiz, com detalhes, aquilo que a Constituição lhe cobrava genericamente: uma fundamentação efetiva dos seus julgados. Resta saber se o magistrados, que a cada dia recebem mais processos e metas a serem cumpridas, conseguirão equilibrar qualidade e quantidade.
Merece igualmente aplausos a possibilidade de correção da ilegitimidade passiva, aproveitando-se o processo.
Duas mudanças de varejo alterarão bastante a vida dos advogados: os prazos processuais serão contados apenas em dias úteis e ficarão suspensos no período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro.
Deve ser também destacado o aperfeiçoamento da disciplina das tutelas provisórias. O novo CPC unificou os requisitos das tutelas de urgência, criou a estabilização da tutela antecipada antecedente – se não houver recurso – e eliminou o processo cautelar autônomo e os procedimentos cautelares específicos.
No campo da teoria geral dos recursos, o novo CPC procurou atacar a chamada jurisprudência defensiva – empecilhos formais criados pelos tribunais para não julgarem o mérito dos recursos. Assim, antes de não admitir o recurso, deve o julgador permitir ao recorrente a correção do vício. Essa é a regra, aplicável a todos os recursos. Nesse sentido, o Código, de forma exemplificativa, deixou claro que não se poderá inadmitir o recurso porque houve erro no preenchimento da guia do preparo, porque faltou uma peça que deveria instruí-lo ou porque foi interposto antes da abertura do prazo – qualquer ato praticado antes da abertura do prazo será considerado tempestivo.
Outra mudança promovida pelo novo CPC foi a criação da audiência de conciliação ou de mediação antes da resposta do réu, só dispensada se ambas as partes se mostrarem desinteressadas. Tenho dúvidas quanto à eficácia dessa medida. Se bem adotada, pode reduzir o número de processos. Se mal adotada, pode ser um eficaz meio de atrapalhar o andamento dos processos.
Merece crítica, porém, a audiência de mediação antes da concessão de liminar em litígio coletivo pela posse de imóvel. Impregnada de ideologia, retardará a efetivação da jurisdição para conferir ao juiz um papel que não é dele.
Já a exigência do julgamento em ordem cronológica, que procurou assegurar a impessoalidade, pode causar transtornos à atividade jurisdicional.
Tenho igualmente receio da alteração procedida quanto aos limites objetivos da coisa julgada. Segundo o novo Código, a decisão da questão prejudicial transitará em julgado, independentemente da propositura de uma ação – que seria a ação declaratória incidental, na sistemática do CPC de 1973. Essa mudança pode provocar insegurança jurídica. Fico imaginando as discussões que ocorrerão, após o encerramento do processo, quanto à delimitação da matéria que transitou em julgado. Também pode provocar morosidade processual em razão do aprofundamento do debate de questões que não constituem o objeto litigioso do processo.
E lamento que a apelação tenha permanecido com efeito suspensivo, ou seja, assim como acontece hodiernamente, a sentença proferida não será imediatamente eficaz e não poderá ser executado de imediato, tornando o juiz de primeira instância um parecerista. Explico: o que produz efeitos é o acórdão, e não a sentença, em razão do efeito substitutivo do recurso, presente ainda que a sentença seja confirmada pelo tribunal.
Nenhuma obra é perfeita. Estão de parabéns todos aqueles que participaram da construção do novo Código. Entregarão à sociedade uma lei processual melhor.
Não acredito, porém, que um livro ou que qualquer outra construção social artificial mude a sociedade. Façamos do novo Código, então, um ponto de partida para convencionarmos comportamos virtuosos e sobretudo, para aperfeiçoarmos a gestão processual.
* Rodrigo da Cunha Lima Freire é Doutor em Direito pela PUC/SP, professor dos cursos preparatórios e da pós-graduação da Rede de Ensino LFG e da graduação e do Mestrado da FMU.