O Juiz da lava jato, Sérgio Moro, recomenda a adoção de sistemas internos mais rigorosos de compliance.
Por Sérgio Rodas *
A alegação de Marcelo Bahia Odebrecht de que, como presidente do Grupo Odebrecht, não tinha conhecimento do pagamento de propina a executivos da Petrobras em troca da obtenção de contratos de obras públicas para a Construtora Norberto Odebrecht, não é crível. Isso porque ele comandou essa empresa até 2009, e os subornos ocorreram de 2007 a 2011. Além disso, esses crimes também foram praticados em nome da petroquímica Braskem, que, em última instância, obedece às mesmas diretrizes da empreiteira, fixadas pelo líder da holding.
Com esse entendimento, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, condenou nesta terça-feira (8/3) Marcelo Odebrecht a 19 anos e quatro meses de reclusão pela prática dos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa. O executivo ainda terá que pagar multa de R$ 1,13 milhão.
Na 17ª sentença da operação “lava jato”, Moro concluiu que a Odebrecht pagou R$ 108,8 milhões e US$ 35 milhões aos ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque, e ao ex-gerente Pedro Barusco, para obter contratos das obras da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (PR), da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (PE), e do Completo Petroquímico do Rio de Janeiro. Esse valor deverá ser reposto à estatal pelos condenados — além de Marcelo Odebrecht, os ex-executivos da empreiteira Márcio Faria, Rogério Araújo, César Ramos Rocha e Alexandrino Alencar e Duque.
De acordo com o juiz federal, há provas “claras como a luz do dia” que a Odebrecht repassou US$ 14,4 milhões e mais 1,9 milhões de francos suíços a Costa, Duque e Barusco em contas na Suíça. E não dá para acreditar que Marcelo Odebrecht não soubesse disso, afirmou Moro, uma vez que “tratam-se aqui de operações milionárias e estruturadas com requinte e que só poderiam ter sido realizadas de forma organizada, por pessoas com o controle sobre o Grupo empresarial e suas principais empresas”.
Para o juiz da “lava jato”, o executivo buscou driblar o interrogatório judicial ao apresentar respostas prévias por escrito. Nesse documento, ele omitiu que foi presidente da Construtora Norberto Odebrecht até 2009, quando assumiu o comando da holding. E ao ser questionado por Moro sobre que cargo ocupava antes de passar à liderança do grupo empresarial, Marcelo Odebrecht se negou a responder e garantiu que, na atual função, não tinha gerência sobre as atividades das controladas. Mas o juiz federal não comprou essa versão.
“Ainda que isso fosse verdadeiro, ou seja, ainda que como presidente da holding, Marcelo Bahia Odebrecht, não atuasse nos negócios das empresas componentes, ele foi, até 2009, presidente da própria Construtora Norberto Odebrecht, ou seja, da empresa diretamente envolvida com os negócios com a Petrobras e, conforme visto, há prova documental do pagamento de propinas pela Odebrecht aos agentes da Petrobras entre 06/2007 a 08/2011, ou seja, boa parte dos fatos ocorreram durante sua gestão específica da construtora”, argumentou Sergio Moro, que disse que o fato de outra empresa do grupo, a Braskem, também ter subornado agentes públicos mostra que o conglomerado seguia ordens de cima para a compra de obras na estatal.
E, conforme sustentou ele, as anotações do celular do executivo demonstram que ele tinha plena ciência das atividades das empresas da Odebrecht e dos atos de corrupção praticados por seus diretores, e que elaborava planos para proteger o grupo e dificultar as investigações. Como exemplo desses textos, Moro cita um em que ele anotou “MF/RA: não movimentar nada e reembolsaremos tudo e asseguraremos a família. Vamos segurar até o fim. Higienizar apetrechos MF e RA. Vazar doação campanha. Nova nota minha mídia? GA, FP, AM, MT, Lula? E Cunha?”.
Nesse trecho, o juiz federal alega que o líder da holding buscava resguardar Márcio Faria e Rogério Araújo e estudava formas de intimação de concorrentes e de busca de apoio político, e que não ofereceu explicações convincentes quando confrontado com essa versão. “Marcelo Bahia Odebrecht, em suas declarações escritas, evento 1.015, reconheceu a autenticidade delas. Buscou explicar parte delas, mas não foi convincente, uma vez que as explicações não refletem a expressão literal das anotações. Por exemplo, ‘higienizar apetrechos MF e RA’, clara referência a apagar dados em celulares, significaria, segundo ele, fazer varredura nos aparelhos para evitar grampos ilegais, o que não faz sentido pois interceptação telefônica, se houvesse, partiria dos órgãos de investigações. ‘Vazar doações’, clara referência à divulgação subreptícia de dados à imprensa, compreenderia tornar público de maneira transparente as doações eleitorais da Odebrecht, o que não corresponde ao termo ‘vazar’”.
E Sergio Moro deixa claro que não recorreu à Teoria do Domínio do Fato para condenar Marcelo Odebrecht, uma vez que as provas do caso permitem concluir a participação dele nos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Marcelo Faria e Rogério Araújo também foram condenados a 19 anos e quatro meses de reclusão. Alexandrino Alencar recebeu pena de 15 anos, sete meses e 10 dias, enquanto César Ramos Rocha pegou nove anos, 10 meses e 20 dias.
Além deles, Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Alberto Youssef foram sentenciados por Moro. Contudo, estes três últimos tiveram suas penas suspensas por já terem atingido o máximo de tempo de pena previsto em seus acordos de delação premiada.
Acordo de leniência
Sergio Moro deu uma “dica” à Odebrecht: que firme acordo de leniência para regularizar sua situação com órgãos públicos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a Controladoria-Geral da União, uma vez que tais compromissos “talvez sejam a melhor solução para as empresas considerando questões relativas a emprego, economia e renda”.
E mais: o juiz federal explicou as condições que um termo desse tipo deve ter: “Para segurança jurídica da empresa, da sociedade e da vítima, os acordos deveriam envolver, em esforço conjunto, as referidas entidades públicas — que têm condições de trabalhar coletivamente, não fazendo sentido em especial a exclusão do Ministério Público, já que, juntamente com a Polícia, é o responsável pelas provas — e deveriam incluir necessariamente, nessa ordem, o afastamento dos executivos envolvidos em atividade criminal (não necessariamente somente os ora condenados), a revelação irrestrita de todos os crimes, de todos os envolvidos e a disponibilização das provas existentes (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado), a adoção de sistemas internos mais rigorosos de compliance e a indenização completa dos prejuízos causados ao Poder Público (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado)”.
O primeiro passo para a Odebrecht — um grupo que “tem uma responsabilidade política e social relevante” — superar o esquema criminoso em que se envolveu e recuperar sua reputação é “assumir a responsabilidade por suas faltas pretéritas”, ensinou Moro. Como exemplo dessa lição, ele citou a recente mea culpa da montadora Volkswagen por ter mentido sobre os gases que seus veículo emitiam. Aos olhos do juiz, essa postura é ilustrativa “do comportamento apropriado de uma grande empresa quando surpreendida na prática de malfeitos”.
Delação premiada
O jornal O Globo informou nesta terça que Marcelo Odebrecht e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro estão fechando um acordo entre eles para depois firmarem acordos de delação premiada com o Ministério Público Federal. O objetivo desse plano seria evitar que as empresas fossem à falência.
Pinheiro já foi condenado a 16 anos de prisão por Sergio Moro, e aguarda julgamento de apelação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS).
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Processo 5036528-23.2015.4.04.7000.