Por Andre Vasconcelos Roque *
Quando se fala em novo Código de Processo Civil (NCPC), logo vêm à mente algumas de suas mais importantes inovações.
Normas fundamentais no NCPC e a elaboração de uma parte geral; a nova disciplina da tutela provisória – com a supressão do livro relativo ao processo cautelar; as regras atinentes à conciliação e à mediação; o incidente de resolução de demandas repetitivas e as inovações em tema de recursos são apenas algumas das novidades com as quais os profissionais do direito terão que lidar.
O papel da doutrina, porém, vai além disso. Cabe a ela mapear todas as inovações e construir uma nova interpretação adequada aos escopos do NCPC. Nessa linha de raciocínio, é igualmente importante investigar o que há de novo mesmo naquelas partes do projeto em que, aparentemente, pouca coisa mudou, como ocorre no processo de execução.
Aliás, uma das razões para se criticar o NCPC durante seu processo legislativo foi que, embora a execução seja entre nós ainda bastante ineficiente – os números divulgados pelo CNJ no relatório Justiça em Números (2014) evidenciam isso, apontando uma elevada taxa de congestionamento de cerca de 86% –, não houve maior discussão sobre a conveniência de se adotarem mudanças mais profundas, como:
(i) a extrajudicialização de alguns atos executivos ou, pelo menos, sua descentralização das mãos do juiz;
(ii) a previsão de juros progressivos contra o executado;
(iii) a criação de um cadastro nacional de bens imóveis, que auxilie na pesquisa por bens penhoráveis do executado;
(iv) a institucionalização da função assistencial de localização de bens penhoráveis do executado por algum órgão público, eventualmente vinculado ao Poder Judiciário;
(v) a exigência, incorporada ao interesse em agir na execução, de que o credor indique bens penhoráveis do executado já na petição inicial, contando com a pesquisa pré-processual indicada no item anterior e evitando que as prateleiras do Judiciário fiquem abarrotadas com execuções inviáveis; e
(vi) a criação de um cadastro nacional de processos judiciais, que torne possível exigir do adquirente que o pesquise antes de qualquer transação, sob pena de responder por fraude à execução.
Nada obstante, a essa altura, já praticamente concluído o processo legislativo do NCPC, é hora de deixar em segundo plano tais críticas e investigar o que há de novo, com vistas a divulgar aos profissionais do direito as inovações (boas ou ruins) e, quem sabe, extrair do texto a maior utilidade possível. Vamos, então, às novidades:
1) possibilidade de citação por correios no processo de execução: no CPC/1973 era vedada a citação pelo correio no processo de execução autônomo. A prática demonstrou, todavia, que essa proibição levava à falta de efetividade da execução, até porque, nos dias de hoje, é frequente que a penhora acabe por privilegiar bens de maior liquidez, como o dinheiro depositado em aplicações financeiras, ações ou títulos negociados no mercado, dispensando a atuação física do oficial de justiça.
O NCPC, em boa hora, permite a citação pelo correio no processo de execução, a fim de proporcionar maior celeridade, especialmente nos casos em que o executado se encontra fora da comarca, seção ou subseção judiciária em que tramita a execução, dispensando a burocrática expedição de carta precatória.
2) possibilidade de o juiz determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes: excelente inovação, aplicável tanto à execução judicial quanto de título extrajudicial, inclusive no que concerne ao devedor de alimentos e sem prejuízo da possibilidade de protesto do título judicial após o prazo para pagamento voluntário, que também está prevista no projeto. Uma vez garantida ou extinta a execução, ou efetuado o pagamento, deverá ser cancelada a inscrição.
Quem está no mercado formal e encontrar o acesso ao crédito dificultado poderá se apressar em indicar bens a serem penhorados ou em pagar o valor executado. Entretanto, a medida não será eficaz para aquele que já se encontra com o nome negativado por outro motivo.
3) cobrança de cotas condominiais documentalmente comprovadas podem agora ser objeto de execução direta: no CPC/1973, a cobrança de cotas condominiais ensejava um processo de conhecimento, pelo procedimento sumário, ao passo que no NCPC será possível sua execução direta, fundada em título extrajudicial. Boa inovação, na medida em que, na prática, a margem para defesa do réu esta bastante restrita e poderá ser dirimida agora em eventuais embargos à execução.
4) exigência de que o demonstrativo do débito indique o índice de correção, a taxa de juros, a periodicidade de eventual capitalização e a especificação de desconto: se o executado deve, em caso de alegar excesso de execução, indicar o valor que entende devido de forma pormenorizada, o exequente também deve atender a tal exigência, até mesmo para que a parte contrária possa compreender como chegou ao valor que está executando.
É mais uma boa inovação, mas que poderá ser utilizada como argumento em eventual manobra protelatória do executado, sob o pretexto de que a planilha apresentada pelo exequente não atende às exigências legais.
5) exigência de se indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos ao executado que alegar maior gravosidade: o princípio da menor gravosidade não significa que a execução não deva causar consequências desfavoráveis ao executado, nem pode acarretar o desprezo à efetividade do processo executivo. Tal princípio refere-se apenas à vedação do excesso, impedindo que o exequente tome medidas excessivamente gravosas ao executado por simples capricho, sem delas extrair maior proveito.
A exigência de que o executado indique outros meios mais eficazes ou menos gravosos é muito bem-vinda, servindo para inibir eventuais alegações meramente protelatórias.
6) fixação dos honorários advocatícios liminares em dez por cento na execução por quantia certa: no sistema do CPC/1973, os honorários advocatícios são liminarmente fixados pelo juiz de forma equitativa, o que por vezes acarreta distorções. No NCPC, o juiz deverá obrigatoriamente fixá-los em 10%, o que poderá ser elevado a até 20% quando rejeitados os embargos à execução.
Trata-se de inovação que visa proteger a remuneração do advogado, mas que, ainda assim, pode produzir distorções. Em execuções multimilionárias, os honorários de 10% poderão ser excessivos. Por outro lado, nas execuções de valor reduzido, ínfima será a remuneração do advogado.
7) afastamento da impenhorabilidade relativamente aos rendimentos superiores a cinquenta salários mínimos mensais: esta é, sem dúvida, uma das mais importantes e bem-vindas inovações do NCPC. Há, atualmente, um exagero de bens impenhoráveis no CPC/1973. Não se compreende que o executado, auferindo remuneração expressiva e que lhe garanta um padrão de vida elevado, não possa ter parte dela afetada para o pagamento de dívidas objeto de execução.
Essa inovação foi trazida ao NCPC ao final da tramitação legislativa no Senado e há grande expectativa se será mantida ou se sofrerá veto presidencial. Isso porque, por ocasião da reforma promovida pela Lei 11.382/2006 ao CPC/1973, proposta semelhante, para admitir a penhora de até 40% do total recebido mensalmente acima de vinte salários mínimos, sofreu veto presidencial.
A justificativa foi de que, embora razoável, “a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, da remuneração”, pelo que seria conveniente “opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral”. Vamos ficar na torcida para que, dessa vez, não ocorra o veto e essa novidade seja prestigiada na versão final do NCPC.
8) possibilidade de penhora de veículo por termo nos autos: tradicionalmente, os veículos eram penhorados por diligência do oficial de justiça, que deveria localizar o bem, o que atualmente não mais se justifica. No NCPC, é possível penhorá-lo por simples termo nos autos, com anotação da restrição através do sistema eletrônico Renajud, disponibilizado pelo Denatran. É possível, inclusive, determinar não apenas a restrição à transferência do veículo por esse sistema, mas até mesmo impedir sua circulação.
9) detalhamento da disciplina da penhora on line: o NCPC aprimora a disciplina da penhora on line, estabelecendo que a indisponibilidade ocorrerá sem ciência prévia do ato ao executado, com prazo de 24 horas para a instituição financeira cancelar eventual valor bloqueado em excesso. O executado terá cinco dias para comprovar que o bloqueio recaiu sobre valores impenhoráveis ou excessivos. Qualquer ordem posterior de cancelamento ou de transferência dos valores bloqueados para conta vinculada ao juízo da execução também terá que ser cumprida em 24 horas.
10) possibilidade de liquidação forçada das quotas ou ações penhoradas: no NCPC, o juiz poderá, após penhoradas as quotas ou ações do executado, determinar à sociedade que apresente balanço especial, ofereça as quotas ou ações aos demais sócios e, em caso de ausência de interessados, proceda à sua liquidação, depositando-se o dinheiro apurado em conta vinculada ao juízo da execução. Tudo isso sem prejuízo de, em caso de excessiva onerosidade, recorrer-se ao tradicional leilão judicial das quotas ou ações, ressalvados os casos de alienação a cargo de corretores de bolsa de valores.
11) penhora de frutos e rendimentos: o antigo (e pouco usado) usufruto de móvel ou imóvel do CPC/1973 – que, curiosamente, assemelha-se muito mais à anticrese do Código Civil (art. 1.506) que ao usufruto – é substituído no NCPC pela previsão da penhora de frutos e rendimentos, em disciplina que, em linhas gerais, não se alterou substancialmente. A vantagem é que, tratando-se de penhora, e não mais de meio de pagamento ao credor, a medida poderá ser deferida pelo juiz em fase inicial da execução.
12) avaliação de veículos ou de outros bens por meio de pesquisas em órgãos oficiais ou anúncios de venda: uma das chaves para o sucesso da execução é sua desburocratização e, aqui, essa inovação é muito bem-vinda. Veículos possuem valor de avaliação muito bem conhecidos – independentemente de intervenção do oficial de justiça ou de um avaliador judicial – em tabelas divulgadas em revistas especializadas e em órgãos como a FIPE. Outros bens também podem possuir valores conhecidos em tabelas de preços específicas, bastando tal consulta para se promover a sua adequada avaliação.
13) preferência pelo leilão por meio eletrônico e divulgação pela rede mundial de computadores: o leilão judicial deve se adequar às modernas ferramentas de comunicação para atrair o maior número possível de interessados. Atualmente, a melhor forma para isso é contar com a rede mundial de computadores, tanto para a divulgação do leilão – que poderia ter muito mais visibilidade, que a publicação esporádica em jornais, se realizada em uma página própria para este fim – quanto para a sua efetiva realização, possibilitando que pessoas dele participem a distância, algo especialmente importante em um país de dimensões continentais e também nas grandes cidades, com todas as suas dificuldades de deslocamento.
14) definição de critérios para se estabelecer o que é preço vil: um bem não pode ser leiloado por preço vil, mas este sempre foi um conceito de difícil definição na prática. No NCPC, o preço vil será aquele inferior ao mínimo estipulado pelo juiz, de acordo com as peculiaridades do bem levado a leilão. Na sua ausência, será considerado vil o preço inferior à metade do valor da avaliação. Espera-se que, com a definição de tais critérios, eventuais discussões sobre a questão possam ser rapidamente resolvidas.
15) novas condições para a aquisição do bem em leilão em prestações: umas das maiores dificuldades para conseguir número satisfatório de interessados no leilão é que, em regra, o bem deve ser arrematado à vista, afastando expressivo número de pessoas que não possuem tais recursos. O NCPC visa a facilitar a aquisição do bem em prestações, reduzindo o valor mínimo à vista de 30% para 25% e estipulando que o restante poderá ser parcelado em até 30 meses, garantido por caução idônea ou, quando de tratar de imóvel, por hipoteca do próprio bem arrematado.
O prazo de 30 meses é, porém, ainda bastante reduzido para bens imóveis em geral, de sorte que teria sido interessante se o NCPC tivesse regulado, por exemplo, a hipótese de apresentação de carta de crédito emitida por instituição financeira idônea, o que permitiria o financiamento por prazos muito mais alongados e até mesmo com uma entrada à vista, pelo arrematante, inferior a 25%.
16) substituição dos antigos embargos à arrematação pela ação autônoma: no NCPC, não há mais previsão dos embargos à arrematação, que deram lugar à ação autônoma. Sua disciplina, porém, é ainda bastante confusa e causa insegurança ao arrematante. Um dos dispositivos prevê que, assinado o auto, “a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo”. Entretanto, o § 4º prevê que “a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário”.
Afinal, em que casos haverá ou não a invalidação? E, embora o NCPC permita ao arrematante desistir da arrematação com a devolução imediata do depósito no prazo da contestação na ação anulatória, qual o prazo (decadencial) para seu ajuizamento? E, se quando isso ocorrer, o exequente já tiver levantado o depósito realizado pelo arrematante, como se procederá se o arrematante quiser desistir da arrematação?
Todas essas são questões muito sérias, que causam insegurança jurídica ao arrematante e, claro, reduzem o número de interessados no leilão e, ainda pior, minimizam o preço que poderá ser obtido com a alienação forçada de bens penhorados devido ao risco assumido.
Neste ponto, falhou o NCPC: era preciso, em definitivo, dar ao arrematante a garantia de que a compra do Estado é o meio mais seguro de aquisição e que não pode ser desfeita, nesse ou em qualquer outro processo, salvo por vício muito grave do próprio procedimento licitatório, suscitado em prazo exíguo, a fim de que proporcionasse maior segurança jurídica.
17) vedação ao levantamento de importância em dinheiro ou de liberação de bens apreendidos durante o plantão judiciário : essa, na verdade, não é uma inovação da execução propriamente dita, mas uma restrição a que sejam concedidas determinadas providências consideradas irreversíveis durante o plantão judiciário.
Alguns casos de abuso têm sido reportados e sem qualquer razão de urgência que justificasse tais medidas, mas talvez a vedação não possa ser compreendida de forma tão rígida, sem margem para exceções. O tempo e a prática jurídica dirão melhor sobre tal questão, impondo-se, em caso de eventual afastamento, fundamentação qualificada do juiz que conceder a providência.
18) créditos sobre o bem leiloado recairão sobre o produto da arrematação: com vistas a conferir maior segurança jurídica ao arrematante, estabelece o NCPC – embora tal orientação já fosse contemplada ao tempo do CPC/1973 nos editais de leilão – que eventuais créditos sobre o bem leiloado (dívidas de condomínio, impostos, multas) recairão sobre o produto da arrematação, sendo entregue o bem ao arrematante livre e desembaraçado. A ressalva, não expressa no dispositivo, é se os créditos ultrapassarem o valor da arrematação, caso em que continuarão a recair sobre o bem pela diferença não paga.
19) prescrição intercorrente: o NCPC traz, para a execução civil, o mesmo regime da prescrição intercorrente da Lei de Execuções Fiscais. Não sendo localizados bens penhoráveis do executado, a execução ficará suspensa por um ano, assim como o prazo prescricional. Decorrido um ano, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente. Caso o juiz verifique que tal prescrição se operou, ouvirá as partes e poderá, de ofício extinguir a execução.
Curiosamente, nas disposições finais, previu-se que o termo inicial do prazo da prescrição intercorrente para as execuções em curso seria a data de vigência do NCPC. Seria possível interpretar que, no CPC/1973, não há prescrição intercorrente na execução civil?
20) possibilidade de penhora on line fundada em decisão liminar: ficou para o final um ponto que não é inovação – o CPC/1973 também admite tal providência –, mas precisa ser mencionado porque se correu o risco de inaceitável retrocesso no NCPC. Na versão do projeto aprovada na Câmara dos Deputados, vedava-se o bloqueio e a penhora de dinheiro ou de outros ativos financeiros para fins de efetivação de decisão liminar, o que comprometeria severamente a efetividade da execução desses provimentos jurisdicionais, mesmo se estivessem fundados em urgência.
Tal ponto foi objeto de crítica. Felizmente, o Senado Federal afastou tal proibição, restabelecendo o regime atual, que admite a penhora on line em tal circunstância.
Como se vê, há um número considerável de mudanças no processo de execução, ainda que, do ponto de visto estrutural, permaneça essencialmente o mesmo do CPC/1973. Serão essas alterações pontuais – a maioria delas, admita-se, bem-vindas – suficientes para debelar a crise da execução no Brasil? Essa é a pergunta a ser respondida nos próximos anos.
* É doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto em Direito Processual Civil da FND-UFRJ. Membro do IIDP, IBDP, CBAr, IAB e CEAPRO. Advogado.