Participei hoje da tão aguardada palestra do Profº Luiz Flávio Gomes… na verdade, como ele mesmo a chamou, de uma ‘showlestra’…
Realmente a exposição do Profº LFG destoa de todas as palestras/eventos que participei até então no UniCEUB, pela sua característica informal e da sua similaridade com um ‘aulão de cursinho’. Confesso que o modelo não me agradou muito (e esperava mais, talvez pela grande expectativa gerada e a comparaçāo inevitável com outros palestrantes que tive a oportunidade de conhecer – sendo grande parte destes ministros de tribunais superiores), mas conseguiu incutir a vontade de ler e apreender mais sobre o tema abordado (‘populismo penal midiático).
Adquiri o livro (autografado) por ele lançado, que trata deste assunto.
Abaixo algumas poucas frases que consegui captar:
‘Vocês precisam aumentar o índice HBB (horas de bunda no banco)!’
‘É o conhecimento que te distingue dos demais.’
‘A TV hoje é só sangue e violência… Se você não se esconder atrás do sofá da sua sala, quando estiver assistindo TV, acaba levando um tiro.’
‘O povo quer ouvir desgraça, ver vingança… não possuem oportunidade de ter informação… e portanto reagem como os primitivos.’
‘No mundo todo encontramos o chamado populismo penal midiático… que possui origem no neoliberalismo.’
‘O Brasil é o 18º país mais violente do mundo… dentre 187 Estados.’
‘Nós reagimos ao crime de forma emocional.’
‘Nós adoramos a vingança… é uma das coisas mais prazerosas para o ser humano… é uma festa… quase um orgasmo.’
‘A mídia não vive de brisa… e para sobreviver precisa atender o povo…’
‘O senso comum acredita que leis mais duras vão resolver o problema da violência no Brasil! Mentira!’
‘Todas 136 leis criadas (relativas ao combate da criminalidade) após o código penal de 1940 foram inócuas, pois a violência só aumentou nestes últimos 73 anos.’
‘Em 1980 o Brasil tinha um índice de 11 pessoas mortas para cada 100 mil habitantes… em 2010 este número subiu para 27 mortes para cada 100 mil habitantes.’
‘A ONU diz que a política penal do Brasil é a mais irresponsável da América Latina.’
Magistratura oprimida e populismo penal
Uma das mais nefastas consequências do populismo penal consiste na pressão que se faz contra a magistratura para que haja maior rigor penal, sob a crença mágica de que isso resolve o problema da criminalidade. Nada mais incorreto.
Primeiro foi o presidente do STF, Joaquim Barbosa, que disse que os juízes são tendencialmente adeptos da impunidade (o que, evidentemente, não é verdade – daí a reação das associações de juízes). Em palestra proferida no curso Iniciação Funcional de Magistrados, o delegado Josélio Azevedo de Souza, do Serviço de Repressão a Desvios Públicos do Departamento da Polícia Federal (PF), pediu uma atuação “mais firme” da magistratura para diminuir a impunidade nos casos de corrupção no Brasil.
Esses discursos políticos opressivos contra os juízes (a pena é um ato político, dizia Tobias Barreto) estão se tornando unanimidade no nosso país (mas toda unanidade é burra, dizia Nelson Rodrigues).
Uma das mais nefastas consequências do populismo penal consiste na pressão que se faz contra a magistratura para que haja maior rigor penal, sob a crença mágica de que isso resolve o problema da criminalidade (veja nosso livro Populismo penal midiático, Gomes e Souza, Saraiva, 2013). Nada mais incorreto. Desde 1940 o legislador brasileiro tornou-se adepto do rigorismo penal (Luís W. Gazoto). A criminalidade, até hoje, com essa equivocada política criminal, só aumentou. A política puramente repressiva é enganosa. Aliás, é um engodo do regime democrático.
Há um grande equívoco discursivo sobre o papel do juiz no Estado Democrático de Direito. Quem conta com o poder punitivo (quem o exerce verdadeiramente) são os órgãos do executivo (polícia, sobretudo). O discurso jurídico-formal (nos livros e nas academias) afirma algo irreal. Ele diz: “Os legisladores manipulam o poder punitivo (em razão do princípio da legalidade penal), os juízes aplicam a lei penal e os policiais fazem o que os juízes ordenam” (Zaffaroni, 2012, p. 433).
Nada mais enganoso. A dinâmica do real poder punitivo é exatamente o contrário, ou seja, os legisladores procuram demarcar o poder punitivo sem ter a mínima ideia sobre quem ele irá recair (e quando), porque é a polícia que faz a seleção criminalizadora. Quem exerce efetivamente o poder punitivo é a polícia (primordialmente). Quem escolhe a clientela (pobre ou rica) da Justiça criminal é a polícia.
O juiz, que não tem o poder de seleção dos casos, fica sempre subordinado ao que lhe é posto sobre a mesa. Julga pouquíssimos casos criminais, porque são pouquíssimos os casos investigados (com sucesso) e denunciados (algo que não passa de 3 ou 4% de todos os crimes cometidos). A impunidade é inerente ao poder punitivo. Não existe poder punitivo no mundo que alcance 100% dos casos.
O tolerância zero é uma utopia reacionária (Ferrajoli) que faz parte do engodo do populismo penal. O poder punitivo só consegue alcançar (seja rico ou pobre o criminoso, mas sempre maior é a última categoria) alguns casos esparsos. São amostras. O criminoso já conta antecipadamente com essa impunidade generalizada. Falta no nosso país uma política de prevenção, que é a única solução correta para o problema da criminalidade.
Sobretudo em cursos de formação inicial jamais se deveria admitir o discurso populista da “mão dura”. Cada juiz tem que ter consciência do seu papel no Estado Democrático de Direito: ele só pode cumprir o limitadíssimo, mas importantíssimo, papel de semáforo do sistema punitivo. “Em cada processo de criminalização secundária, os juízes dispõem do semáforo que mostra a luz verde, autorizando a continuação do poder punitivo, a luz vermelha, que o interrompe, ou a luz amarela, que o detém para pensar um pouco” (Zaffaroni, 2012, p. 433).
O juiz é o semáforo (não a sirene do sistema penal): se concede sinal verde para as arbitrariedades do poder punitivo, este se agiganta (e se transforma numa máquina de triturar a liberdade assim como a carne e os ossos humanos). Se lhe apresenta o sinal vermelho, cumpre seu papel de contenção do poder punitivo que, exercido sem limites, passa a protagonizar massacres indescritíveis (tal como os de Napoleão, de Stalin, de Hitler, das ditaduras etc.).
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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