Senso Incomum: O Supremo não é o guardião da moral da nação – Lenio Luiz Streck – Conjur – setembro/2013

Advertência necessária ao leitor

Esta coluna não é indicada para a) quem gosta do jargão “o direito é aquilo que o judiciário diz que é”; b) para quem gosta do projeto do novo CPC que commonliza o Direito; c) para os adeptos da ponderação de valores; d) para quem pratica o esporte chamado “pan-principiologismo”; e) para quem acha que o Judiciário pode ser o superego da nação; f) para quem acha que a moral pode corrigir o Direito.

Faço esta coluna com todo o carinho. E respeito. De alguém acostumado às práticas jurídicas cotidianas e da academia. Tratar-se-á de uma crítica a uma decisão do ministro Barroso. Cada um é responsável pelo(s) que cativa. Ele sempre me cativou. Com ele aprendi. Com ele já debati. E muito. E é exatamente por tudo isso é que a coluna é necessária. Não poderia deixar de escrevê-la. Pelo que sempre defendi, ninguém me perdoaria. Nem eu mesmo.

Além disso, estou a cavaleiro, porque o ministro Barroso, antes de assumir no STF, colocou reservas em relação ao ativismo. Só que, agora, proferiu uma decisão deveras ativista. E, por isso, deve ser cobrado. Na forma da lei e da Constituição.

Primeiro ato: do caso Cassol ao caso Donadon

A Ação Penal 470 consagrou a posição do STF de que, quando há condenação criminal transitada em julgado de mandatário de cargo eletivo, a cassação do mandato é consequência automática da pena, independente de manifestação da Casa Legislativa. Já com o “caso Cassol” (AP 565), houve uma reviravolta na jurisprudência do Supremo, da qual participou o ministro Luís Roberto Barroso: a perda do mandato passou a depender de decisão das Casas Legislativas, na forma como dispõe a Constituição brasileira (artigo 55, inciso VI, parágrafo 2º).

Sobre este assunto, o ministro Barroso apresentou posicionamento claro à época, afirmando que a cassação dos mandatos parlamentares pelo Congresso aliviaria a tensão entre os Poderes, in verbis: “É preciso acabar com esse clima de desconfiança. Em parte, esta decisão passando de volta ao Congresso essa competência é uma forma de desanuviar um pouco esta tensão”. Ainda, manifestou-se dizendo que, embora não acreditasse que esta fosse uma boa decisão, é o que afirma a Constituição: “Acho que a condenação criminal, pelo menos acima de um determinado grau de gravidade do delito, deveria ter essa consequência automática. Mas a Constituição diz o contrário. O dia que a Constituição for o que os intérpretes quiserem independentemente do texto, nós vamos cair numa situação muito perigosa”.

Acertou o ministro Barroso: não importa quão boa ou má seja esta decisão. Ela segue, digamos assim — e isso foi dito pelo próprio ministro — a “letra da Constituição”. Ou seja, o que é relevante para um julgamento é se a decisão está de acordo com a Constituição. Estas são as regras do jogo. Não fosse isso, teríamos uma República Juristocrática (ou será que já não temos?).

Sigo. Bem recentemente, diante do “caso Donadon” (AP 396), a Câmara dos Deputados, cumprindo a prerrogativa que lhe foi concedida constitucionalmente e — gizo — reconhecida pelo Supremo graças ao percuciente voto do ministro Barroso, optou por não cassar o mandato do deputado. A opinião pública não gostou. Parte do Congresso também não aprovou. A revista Veja não gostou. Jornalistas e jornaleiros não gostaram. Wanderlei Luxemburgo não gostou. Fecham-se as cortinas.

Segundo ato: o mandado de segurança impetrado

Pois bem. O porta voz do repúdio a tanto desgosto foi o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que, contra tal decisão do Parlamento, impetrou o Mandado de Segurança n. 32326, com pedido liminar para suspender os efeitos da deliberação pela não cassação do deputado Donadon, distribuído para a relatoria do ministro Barroso. No fundo, um tiro no pé do Congresso. Mas, enfim…

Easy: a Constituição disciplina claramente sobre este assunto. O STF já havia se pronunciado sobre esta questão. Até o próprio ministro Barroso já havia se posicionado sobre este tema, como referido no início desta coluna.

Mas o que fez o ministro Barroso? Para a surpresa da comunidade jurídica (na verdade, minha frase é retórica, porque não sei a dimensão da surpresa; nem sei se há), na contramão do posicionamento apresentado anteriormente, concedeu liminar inaudita altera pars, suspendendo os efeitos da deliberação da Câmara dos Deputados que tomou a malfadada decisão, nos seguintes termos:

1. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado.

2. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, que deva perdurar por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e fática de seu exercício.

3. Como consequência, quando se tratar de deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória.

Nitidamente, há uma contradição na decisão do ministro. Por isso, o que pretendo demonstrar é que o Direito, como diria Dworkin, exige coerência e integridade. O Judiciário, especialmente a Corte Constitucional, que exerce um papel contramajoritário, não pode simplesmente mudar de ideia, nem mesmo se houver um grande descontentamento da opinião pública. Isso porque, acima de tudo, o argumento que fundamenta uma decisão judicial deve ser jurídico — nem moral, nem político.

Em face de tudo isso, portanto, a pergunta que se faz é: o que é um argumento jurídico? O que é um argumento moral? O que é um argumento metajurídico (sic)? Como, afinal, decidiu o ministro Barroso?

Terceiro ato: os argumentos do ministro Barroso

Para decidir, recorreu à velha distinção entre casos fáceis e casos difíceis. Para ele, casos fáceis se resolvem como no século XIX. Por subsunção. Existiriam regras gerais que abarcam todas as hipóteses de aplicação. Já os casos difíceis seriam os que não se enquadram nos fáceis. Despiciendo registrar que nem Dworkin acredita nessa distinção. Mas, sigamos. Dissertou, também, sobre a interpretação semântica (sobre os métodos de Savigny, penso eu). Ou seja, o que fez o ministro foi utilizar de técnicas argumentativas para dar roupagem jurídica, um véu de legitimidade, para um posicionamento que, na verdade, é teleológico. Decidiu e depois buscou o fundamento. A argumentação utilizada não foi a condição de possibilidade. Foi, na verdade, apenas uma capa de sentido.

Aliás, no âmbito da dogmática jurídica, os métodos interpretativos ou técnicas de interpretação são definidos como instrumentos/mecanismos eficientes e necessários para o alcance do conhecimento científico do direito. Assim, sob a aparência de uma reflexão científica, criam-se fórmulas interpretativas que permitem: a) veicular uma representação imaginária sobre o papel do Direito na sociedade; b) ocultar as relações entre as decisões jurisprudenciais e a problemática dominante; c) apresentar como verdades derivadas dos fatos, ou das normas, as diretrizes éticas que condicionam o pensamento jurídico; d) legitimar a neutralidade dos juristas e conferir-lhes um estatuto de cientistas. De há muito Warat desmi(s)tificou isso.

No caso do MS 32.326, o ministro Barroso utiliza-se dos métodos como eles são, na prática, quase sempre aplicados: como argumentos retóricos para justificação da decisão.

Partindo da premissa de que existe uma regra concreta regulando a cassação de mandato parlamentar em razão de trânsito em julgado de sentença condenatória (artigo 55, inciso VI e parágrafo 2º da Constituição), Barroso faz uso dos métodos semântico (para ele, gramatical), histórico, sistemático e teleológico para fundamentar a validade deste dispositivo. Não é necessário ir muito fundo na discussão dos métodos. Parece que a teoria do direito em terrae brasilis não consegue avançar, em determinados casos, para além do século XIX. O que Savigny (falo nele, porque é nele que a dogmática jurídica aposta quando trata desse tipo de “metodologia”) tem a ver com isso? Sobre os métodos de interpretação é importante registrar alguns pontos na perspectiva de retirar o debate do lugar comum e tentar lançar um pouco mais de luz nessa discussão. Por exemplo, o “x” da questão para a escola histórica não estava na interpretação do direito legislado, mas, sim, na afirmação de um direito que fosse concebido radicalmente como produto da história e que não buscasse aparar a sua autoridade em alguma realidade transcendente. Só aí já temos um problema. Por outro lado, esse direito que encontra sua autoridade na história — ou no “espírito do povo” — não pode ser encarado como simples produto de um legislador racional. É equivocado pensar que a Escola Histórica era um positivismo do tipo exegético, assim como é errado pensar que Savigny era um legalista (entendendo por legalista o tipo de experiência que se tem no ambiente francês). Por isso, muito cuidado com o tal “método gramatical”. Mais ainda: muito cuidado, porque tudo isso se passou no contexto de um direito que tinha como objeto de estudo algo maior que um simples código estatuído por um parlamento. Era da história que se falava. Quanto ao método teleológico, mais cuidado ainda, porque aí já estamos tratando de algo que vai além, como no caso da formulação do segundo Ihering, aquele que abandona a sistematicidade da escola histórica para ir em direção à finalidade do Direito.

Ainda: semântica não é igual a “gramatical”, que tem relação com a sintática. Essa questão (da semântica) é bem discutida, mais tarde, no neopositivismo lógico, no plano da semiótica, quando a sintaxe e a semântica eram a condição para um enunciado ser científico (a pragmática ficava de fora). Pois bem. Sintaxe é análise dos signos com os signos. Isso é método gramatical. Semântica é para além disso. Aliás, para ser bem claro, Kelsen foi um positivista semântico. Mas isso já é para outra discussão. A propósito, sobre a metodologia savignyana, basta ler a crítica arrasadora do pai do pós-positivismo, Friedrich Müller.

Portanto, o uso ou não uso desse tipo de “metodologia” é absolutamente irrelevante para o deslinde da causa. Tais métodos, neste caso, podem ser considerados álibis retóricos para suprir a falta de integridade e coerência na fundamentação da decisão. Neste caso, os métodos legitimam a criação de uma exceção não prevista nem Constituição nem no Código Penal (sequer no regimento interno da Câmara dos Deputados).

Ou seja, os tais métodos foram utilizados para dizer que quem cassa é a Câmara. Mas quando a pena for daquelas que inviabilizam o mandato, aí a cassação é automática… Quer dizer, então, que, segundo essa tese, alguém em regime semiaberto pode ser deputado ou senador? Neste caso, a decisão mira no padre e acerta na igreja, porque beneficia(rá) quem é condenado à pena menor que oito anos (ou até mesmo em regime fechado, desde que seja feita aquele cálculo que está na decisão). Ao que entendi do teor da liminar, é escandaloso um deputado condenado a uma pena alta e em regime fechado exercer o mandato; mas não o é se ele estiver em regime semiaberto? É isso, ou entendi mal?

Quarto ato: “Argumentos metajurídicos”. O que é isto?

Na decisão, vê-se o ministro invocar supostas “variáveis metajurídicas”. Mas o que significariam, efetivamente? Questões políticas? Questões pessoais? A opinião pública(da)? Seus valores, suas vontades? Seus interesses? Já vi essas “variáveis” na Wertungsjurisprudenz. E também já as vi nos diversos positivismos de cariz voluntarista-axiologista.

A democracia tem seus bônus e seus ônus. Em ambos existe um elemento de princípio que jamais pode ser violado: o respeito às regras preestabelecidas (algo como uma questão de princípio ou o sentimento de pertença que se vê na fala de Sócrates, no diálogo Críton). Digo isso porque há, no texto constitucional, a determinação de que a cassação de um parlamentar condenado criminalmente deve ser feita pela respectiva Casa, e não pelo Executivo ou pelo Judiciário. Simples, pois. E a deliberação da Casa Legislativa para perda do mandato não caiu de paraquedas na Constituição. É instituto que possui uma razão histórica: está dentro do marco da separação de Poderes e constitui uma cláusula pétrea. E o Congresso não está obrigado a cassar o mandato.

Claro, em tempos de ativismo judicial desenfreado (que já venho denunciado há anos, juntamente com meus orientados do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos), em nome de uma espécie de realismo jurídico (tardio), instaura-se uma espécie de império da vontade, no sentido da Wille zur Macht. O ativismo deita suas raízes no utilitarismo supostamente moral e na vontade de poder de quem o pratica, algo muito perigoso ao regime democrático.

A violação à Constituição é sempre uma ameaça à democracia. O senso comum — sempre pragmati(ci)sta — costuma pensar a Democracia como sendo um processo cujo fim é a sua conquista, ou como algo do qual a coletividade se apropria. Não é visto tal qual é: uma relação, sempre instável e sujeita a altos e baixos, a avanços e retrocessos, a continuidades ou rupturas. Nossa história mostra isso. A democracia precisa ser vista numa perspectiva histórica e de lutas políticas.

O aplauso de hoje do ativismo jurídico pode ter sua antítese amanhã, quando os que hoje festejam se sentem prejudicados. Ora, o ativismo é behaviorista.[3] Não se pode admitir, pelo menos em um regime democrático, baseado no respeito às regras do jogo, que o Judiciário lance mão de “argumentos metajurídicos” em suas decisões. Eles precisam decorrer de uma atribuição de sentidos oriunda de textos normativos. Assim como não existe salvo-conduto para atribuição arbitrária de sentidos, com tal razão não se pode admitir que um julgador deixe de lado o texto constitucional em benefício de qualquer outro fundamento. Senão, está ferindo as regras do jogo democrático, do qual ele, por determinação constitucional, é exatamente o guardião. Iudicialis activismum constitutione lupus est.

Ao que me parece, o que há nos “argumentos metajurídicos” é, na verdade, uma tentativa de “moralização do Direito”. Aposta-se no protagonismo judicial, considerado como inevitável (conforme Kelsen já dizia). Mas o fato do intérprete atribuir o sentido não quer dizer que ele possa, sempre, dar o sentido que lhe bem convier (como se houvesse uma separação integral entre texto e norma e como se estes tivessem existências autônomas) e deixar de lado o texto constitucional.

O Tribunal que julga por meio de “argumentos metajurídicos” (que não deixam de ser elementos pragmático-axiológicos) assume uma postura apartada da normatividade (veja-se, pois, o paradoxo: dias antes, o ministro Barroso se ancorava no texto da Constituição, dizendo que dele não podia fugir). Enfraquece-se o Direito, uma vez que o afasta da tradição e o instrumentaliza. Tanto o discricionarismo positivista quanto o pragmatismo (que é uma forma de positivismo), que se funda no declínio do direito, têm déficit democrático. Se o direito como transformador das relações sociais foi a grande conquista do século XX, decidir por meio de argumentos metajurídicos é um retrocesso. E acrescento: precisamos tanto de constitucionalistas quanto de Constituição e tanto de democratas quanto de democracia. São aqueles que efetivam estas. E a democracia é um processo — sempre inconcluso. Democracia é, antes de tudo, uma jornada, uma grande caminhada. Pede uma atenção e um cuidado constante. A democracia exige de nós estarmos em alerta.

Mas por que decidir somente com base em argumentos jurídicos? Porque a sociedade tem uma garantia: o respeito à Constituição. Ninguém está acima dela. Ela é o norte do regime democrático porque condiciona todos a um regramento único. Assim, sem o respeito a argumentos jurídicos na decisão judicial, o aplauso de hoje pode se tornar o seu grito de horror do amanhã.

Numa palavra: a moral não corrige o Direito

O ministro Barroso fez alusão também à moral. Algo como “a moral exige que…”. Como se argumentos morais pudessem corrigir o Direito. Claro: eu sei de onde veio isso. Veio da malsinada tese de que “princípios são valores”. Esse seria o canal pelo qual a moral ingressaria no Direito. Tem até o positivismo inclusivo, que parece escolher os momentos em que a moral deve corrigir o direito. Ponto para a moral e a moralização; zero para a autonomia do Direito.

Quero dizer, com toda convicção, que direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito não é filosofia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador (mesmo que seja o STF).

Ou seja, ele, o Direito, possui, sim, elementos (fortes) decorrentes de análises sociológicas, morais etc. Óbvio isso. Só que estas, depois que o direito está posto — nesta nova perspectiva (paradigma do Estado Democrático de Direito) — não podem vir a corrigí-lo. Aqui me parece fundamental um olhar dworkiniano. Na verdade, o Direito presta legitimidade à política, compreendida como poder administrativo, sendo que a política lhe garante coercitividade. Concebendo a política como comunidade (Polity), o Direito faz parte dela. Compreendida como exercício da política (politics), há uma coimplicação entre eles na constituição do político. Como ponto de vista partidário, o Direito tem o papel de limitar a política em prol dos direitos das minorias, definindo o limite das decisões contramajoritárias. O Direito é essencialmente político se o considerarmos como um empreendimento público. Daí política ou político, no sentido daquilo que é da polis, é sinônimo de público, de res publica.

Na mesma linha, acrescento que a necessidade de uma justificação moral mais abrangente para a teoria jurídica não pode significar que o direito seja tomado por moralismos pessoalistas. No fundo, cumprir o Direito em sua integridade evidencia a melhor forma de condução da comunidade política. Essa melhor forma não representa uma exclusão da moral, mas, antes, incorpora-a. A moral não é outsider. O Direito não ignora a moral, pois o conteúdo de seus princípios depende dessa informação. Todavia, quando o direito é aplicado, não podemos olvidar dos princípios, tampouco aceitar que eles sejam qualquer moral. Aqui também devemos pensar em Habermas.

Este é o custo que temos de pagar para ter um direito como o de hoje. Que não é igual ao de antanho. Detalhe: novamente com Dworkin é importante anotar que, com isso, não estou a negar a justificação política, de caráter geral, que a teoria jurídica pressupõe. Essa é uma questão de legitimidade do uso da força por parte de um governo. Todavia, as questões políticas em sentido estrito — que se expressam a partir de raciocínios teleológicos, de metas sociais etc., não podem — e não devem — fazer parte do discurso judicial. Juiz decide por princípios e não por políticas ou moral(ismos). No momento de concretização do direito, as questões de princípio se sobrepõem às questões de política. Assim, o direito também deve “segurar” (conter) a moral (e os moralismos). Isso, por exemplo, pode ser visto de forma mais acentuada nas cláusulas pétreas e no papel da jurisdição constitucional.

Resumo da ópera

Do que se viu, tem-se que, primeiro, o STF ratificou a prerrogativa de o Congresso ter a última palavra na cassação (perda do mandato) de mandatos de parlamentares condenados à pena de prisão. Segundo, quando, dias depois, a Câmara, acreditando que, pudesse, de fato, exercer essa faculdade, deixou — por azar histórico — de cassar um deputado condenado ao regime fechado, o mesmo STF decidiu que a Câmara não se houve bem. Ora, também acho que a Câmara errou. Mas, e daí? O STF também não erra? A consequência disso deveria ser bem simples, além do desgaste político do Congresso: o deputado, preso, não comparece às sessões e, bingo, é cassado. Simples.

Entretanto, para o ministro Barroso, o Congresso pode até não cassar, mas, quando a pena for daquelas que inviabilizam o mandato, a moral da nação exige que se construa um argumento para evitar isso. Logo, criou, a partir de argumentos metajuridicos, uma hipótese nova no ordenamento. Ou seja: o STF, em nome de argumentos morais, legislou. Como superego (Über-Ich) da nação (utilizo a expressão de Ingeborg Maus), o ministro relator arvorou-se no direito de corrigir não somente a atitude do Congresso, mas, também, a própria Constituição. Reescreveu a Constituição, dizendo, em outras palavras, que toda a perda do mandato de um parlamentar condenado a prisão não é automática, a não ser nas hipóteses em que… (basta ler a decisão). E mais não precisa ser dito.

Como referi, não se trata de uma simples discussão ou tese acadêmica. Tratou-se de uma decisão da mais alta Corte do país. Por isso a relevância. E o respeito por ela. E, também por isso, escrevi esta coluna. Buscando, sempre, dialogar com os protagonistas da história. E encontrar elementos para superar — e aqui me reporto a um dos meus livros preferidos, a peça Medida por Medida, de Shakespeare — tanto o modelo de juiz “Ángelo I”, como o “Ángelo II”, ou seja, nem o juiz boca da lei, nem o juiz dono da lei!

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.

Fonte: www.conjur.com.br

0.00 avg. rating (0% score) - 0 votes
Esta entrada foi publicada em A Caminhada e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.