Notáveis do Direito – Nelson Hungria: o príncipe dos penalistas brasileiros – por Alessandro Hirata

Quando da reunião inicial com o professor Luiz Patury, titular da cadeira de Monografia I, em 22.08.13, para fins de discussão e direcionamento com relação ao tema da pesquisa que pretendo desenvolver, ao longo dos próximos 3 semestres, visando a apresentação e entrega do trabalho final do curso de direito, foi sugerido, juntamente com as obras de Cappelletti e Dworkin, a leitura de algumas obras de Nelson Hungria, principalmente aqueles pontos onde este importante doutrinador discorre sobre a sentença.

Como não há um livro específico, de autoria de Hungria, que trata exclusivamente de sentenças, pesquisando pela net, encontrei um interessante artigo, de autoria de Alessandro Hirata, que faz uma breve biografia deste ‘notável do direito’, do qual tenho que buscar suas ideias para subsidiar a minha pesquisa.

Não se fala em direito penal no Brasil sem que seja citado o nome de Nelson Hungria. O mais famoso penalista do século XX no país continua sendo doutrinador de grande importância, até os dias de hoje. Seus inúmeros escritos, aliados a sua importante carreira no judiciário brasileiro, transformam-no em um dos grandes juristas de nossa história.

Nascido em 16 de maio de 1891, no sítio Solidão, na então cidade de São José de Além Parahyba, no Estado de Minas Gerais, Nelson Hungria Hoffbauer é filho de Alberto Teixeira de Carvalho Hungria Hoffbauer e Anna Paula Domingues. Sua família é de origem simples, sem grandes recursos. Durante seus estudos primários reside em Belo Horizonte, Sabará e Jacareí, mudanças necessárias em virtude do trabalho do pai. Conclui seus estudos básicos no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte. O precoce Nelson Hungria, com apenas 14 anos, matricula-se na Faculdade de Direito em Belo Horizonte. Ao final do segundo ano, muda‑se sozinho para o Rio de Janeiro, ingressando, então, na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro (então uma instituição privada de ensino, que deu origem, juntamente com a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, a hoje Faculdade Nacional de Direito da UFRJ), concluindo o curso em 1909, com apenas 18 anos de idade.

Após a sua diplomação, retorna a Minas Gerais para atuar como advogado e promotor público na comarca de Rio Pomba. Em 1912, casa-se com Isabel Maria Machado, com quem teve quatro filhos: Hélio, Délio, Célia e Clemente. Aproveita esses anos no interior de Minas também para o estudo de línguas estrangeiras, tornando-se fluente em diversos idiomas. Transfere-se para Belo Horizonte em 1918, onde passa a atuar como advogado. Em 1921, volta ao Rio de Janeiro, a fim de assumir a função de delegado de polícia. Sua insatisfação com o cargo é evidente, abandonando-o oito meses depois.

Nelson Hungria ingressa na magistratura como Juiz da Pretoria Criminal do antigo Distrito Federal, passando em primeiro lugar no concurso para pretor e nomeado por decreto de 12 de novembro de 1924. Assume, durante a década de 30, como Juiz de Órfãos e da Vara dos Feitos da Fazenda Pública. Presta concurso, em 1934, na sua Alma Mater, a Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, com a tese “Fraude penal”, passando em primeiro lugar como livre-docente da cátedra de direito penal. Integra, juntamente com Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira, a comissão revisora do anteprojeto Alcântara Machado para o Código Penal de 1940, tendo participação decisiva na versão final promulgada. É nomeado em 1944 para o cargo de Desembargador do Tribunal de Apelação do Distrito Federal. Nos anos de 1947 e 1948, atua como corregedor de justiça do Distrito Federal.

Em decreto de 29 de maio de 1951, Nelson Hungria é nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, pelo então Presidente Getúlio Vargas. Curiosamente, tinha sido professor da filha de Vargas, Alzira, na Faculdade de Direito. Toma posse em 4 de junho, substituindo o aposentado Ministro Aníbal Freire da Fonseca. Integra, como membro substituto, a partir de 25 de julho de 1955, e efetivo, a partir de 23 de janeiro de 1957, o Tribunal Superior Eleitoral, ocupando a sua presidência de 9 de setembro de 1959 a 22 de janeiro de 1961.

Por decreto de 11 de abril de 1961, Nelson Hungria alcança a aposentadoria compulsória como Ministro do STF. Volta, então, a atuar como advogado. Ainda em 1961, é nomeado pelo Presidente Jânio Quadros para chefiar comissão para redigir anteprojeto para um novo Código Penal. Após anos de trabalho, em diversas comissões, o chamado Código Penal de 1969, apesar de nunca ter entrado em vigor, é até hoje objeto de estudo, em virtude da elaboração das soluções que adotava. Nelson Hungria foi o seu mentor, participando ativamente em todas as etapas de sua elaboração.

Dedica-se à advocacia até o seu falecimento, em 26 de março de 1969, na cidade do Rio de Janeiro.

A grandeza de Nelson Hungria como jurista é evidente. Sua obra é vastíssima e de grande influência até os dias de hoje. Não por acaso, no recente julgamento do Mensalão, o autor foi citado pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Carmem Lúcia. Podem ser destacadas, dentre suas publicações: “A legítima defesa putativa” (1936), “Dos crimes contra a economia popular e das vendas a prestação com reservas de domínio” (1939), “Questões jurídico-penais” (1940), “Novas questões jurídico-penais” (1945) e, a mais famosa delas, seus “Comentários ao Código Penal” (1958), em oito volumes.

Além disso, participou de inúmeras conferências e congressos internacionais, ganhando repercussão também em outros países (fato extremamente raro entre juristas brasileiros até hoje). Recebeu ainda diversas homenagens e prêmios, como a Medalha Rui Barbosa, a Medalha do Rio Branco, a Medalha do Sesquicentenário do Superior Tribunal Militar, a Medalha Teixeira de Freitas, a Comenda do Mérito do Ministério Público e o prêmio Teixeira de Freitas, em 1958, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros.

Nelson Hungria é um jurista ímpar na história do direito brasileiro. Além do brilhantismo de sua obra, sua personalidade inquieta e polêmica sempre se destacou. Em suas palavras: “Tenho aversão às águas estagnadas, que só servem para emitir eflúvios malignos ou causar emanações mefíticas”.

Em 04/03/2013 por Alessandro Hirata (publicado no Jornal Carta Forense).

Alessandro Hirata é professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. Livre-docente pela USP e Doutor em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität München (Alemanha).

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